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Crise energética e ausência de planejamento

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 Clarice Ferraz

 

O diagnóstico sobre as causas da atual crise energética que o Brasil enfrenta é inequívoco: ela é de responsabilidade do Poder Executivo, ao qual cabe o planejamento do setor elétrico nacional. O País que possui as maiores reservas de água doce do mundo assiste à acelerada perda de sua cobertura hídrica e à má gestão desses recursos, enquanto o governo não realiza qualquer ação para reverter essa grave constatação.

 

Há alguns anos, o setor elétrico não consegue expandir a contento a oferta de eletricidade. A divisão do mercado entre regulado e livre mostrou claramente em que ambiente a capacidade instalada se ampliou. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram que a expansão dos últimos anos foi majoritariamente financiada por empresas públicas ou por meio de parcerias público-privadas. Investimentos em inovação e em infraestrutura só foram realizados com suporte e financiamento estatais. O mercado livre cresceu, mas pouco contribuiu ao País.

 

Somaram-se à falta de expansão da oferta a ausência de políticas de eficiência energética e o baixo nível de investimento em pesquisa e desenvolvimento. Tudo chancelado pela agência reguladora, responsável por zelar pela qualidade do serviço, bem como pela definição das tarifas praticadas que devem promover a repartição justa dos custos do setor.

 

Assim como na crise de abastecimento ocorrida em 2000 e 2001, são fatores explicativos a hidrologia desfavorável e a falta de investimentos característica de momentos que antecedem as grandes privatizações, associados ao crescimento do consumo de eletricidade. A crise anterior já nos mostrava os elementos aos quais deveríamos prestar atenção para que o transtorno não se repetisse. Além disso, serve de alerta para a gravidade dos efeitos de contágio socioeconômicos a toda a sociedade.

 

Em 2020, os elementos necessários para tal eclosão já se encontravam reunidos. Não houve falha de abastecimento devido à redução do consumo de eletricidade, provocada por uma das maiores crises que o Brasil já enfrentou – combinação sanitária, econômica e social – e agravada pela epidemia de Covid-19 e pela má gestão no seu enfrentamento. Assim, chegamos a 2021 com risco de escassez iminente, e houve a volta do crescimento da demanda. O governo nada fez a não ser acelerar os planos de privatização da Eletrobras, desincentivando a realização dos tão necessários novos investimentos no setor. Ou seja, em vez de se enfrentar o risco de colapso, antecipou-se a  sua chegada com o agravamento da situação.

 

Como no Brasil o setor elétrico interligado (SIN) é operado de acordo com uma ordem de “mérito econômico”, a eletricidade gerada pelas grandes hidrelétricas de reservatório é despachada na base por ser a mais barata, juntamente com as fontes eólica e solar fotovoltaica. A geração termelétrica, mais cara, só é utilizada depois, sem que se leve em conta a preservação do nível de armazenamento dos reservatórios cujo uso deveria passar a considerar as novas necessidades de inércia e de previsibilidade da geração, desafios inerentes à maior participação das energias renováveis variáveis.

 

Desse modo, além de não ter atuado para evitar as causas da crise, o governo adotou como medidas de mitigação soluções equivocadas e que agravam os seus efeitos negativos, sobretudo para a população de baixa renda. Do lado da oferta, assim como foi feito em 2001, impõe a expansão da participação da geração termelétrica, cara e poluente. Ainda, propõe tardiamente programa voluntário de redução de consumo para os setores industrial e residencial, a ser financiado por encargo acrescido às tarifas, contribuindo para a explosão dos preços que se traduz em aumento de pobreza energética, perda de competitividade da indústria, além de maiores desemprego e pressão inflacionária.

 

Graças à sua extraordinária dotação de recursos naturais e ao seu sistema nacional interligado, o Brasil poderia ser um dos países líderes na transição à energia limpa. No entanto, enquanto não for adotada uma política energética que resolva os nossos problemas estruturais, haverá apenas o reforço da atual espiral de subdesenvolvimento.

 


 

 

Clarice Ferraz é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretora do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina)

 

 

 

 

 

Imagem no destaque: Divulgação Sabesp / Foto Clarice Ferraz: Acervo pessoal

 

 

Comentários  
# Não é bem assimVanderlei 02-10-2021 08:11
O texto apresenta uma confusão entre mercado livre de energia e investimento de capital privado em geração de energia. Por exemplo, se uma empresa de capital privado vence um leilão para construção de uma hidrelétrica, então haverá investimento de capital privado para reforçar a geração de energia, mas não necessariamente essa geração estará no mercado livre de energia.
Além disso, o texto não cita a dificuldade atual (leis ambientais) para construir novas hidrelétricas. Também não cita as hidrelétricas a fio d'agua construídas em governos anteriores, as quais intrinsecamente não tem capacidade de armazenar energia, o que está fazendo falta nesse momento de crise.
Além disso, fazer um planejamento para que o sistema elétrico nacional suporte crises hídricas que acontecem a cada 90 anos, como é o caso da atual, embora seja possível, não é viável, pois tornaria o custo do atual sistema exponencialment e mais caro, o que reflete em uma conta de luz muito mais cara para o consumidor, impactando toda a cadeia produtiva nacional.
Assim como o EPE (https://www.epe.gov.br/) tem publicado anualmente seu Plano Decenal de Expansão de Energia (planejamento para 10 anos, não 90...), então entendo que qualquer análise séria sobre a situação atual deve olhar pelo menos para as ações e contexto dos últimos 10 anos.
Para finalizar, o texto passa a mensagem de que o objeto principal do autor(a) não é analisar verdadeiramente o problema, de forma crítica, e sim apenas construir um texto para criticar o governo atual, utilizando para isso um grave problema para nós brasileiros. É uma pena.
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