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09/03/2010

Chilenos culpam construtoras pelos prédios que ruíram

       Algumas grandes construtoras e incorporadoras chilenas estão sendo acusadas de adotar dois pesos e duas medidas na hora de construir e de usar matérias de qualidade baixa em áreas nas quais a fiscalização é mais "frouxa"

       Felipe Marín acordou na madrugada de sábado, 27 de fevereiro, com o mundo sacudindo. Cambaleantes, ele e sua mulher chegaram até a porta do apartamento, mas ela estava travada. O terremoto havia entortado os batentes, deixando os dois presos naquela arapuca. Felipe, de 36 anos, é um administrador de empresas sedentário e ganhou uns quilos depois do casamento com Jimena, há oito anos. Mas o "gordinho" Felipe não hesitou, atirou-se contra a porta e a derrubou - ele mesmo diz não saber se conseguiu mesmo derrubar a porta ou se ela acabou arrancada do batente por causa dos solavancos do tremor. O piso estava se partindo. Mas, antes que parte do prédio desabasse, Felipe e sua mulher conseguiram chegar à rua.
       Agora, passado o susto, o casal Marín se diz aliviado por estar vivo, mas volta suas forças para outro problema. Eles querem explicações da construtora sobre os motivos que levaram seu prédio, em Maipú, região metropolitana da capital, Santiago, a desmoronar, enquanto outros edifícios idênticos, da mesma construtora, suportaram bem o impacto do tremor de 8,8 graus na escala Richter.
      "O terremoto não teve culpa no desmoronamento. O que houve, sim, foi o uso de materiais de baixa qualidade", afirma Felipe. Afinal, diz ele, "prédios em Las Condes [bairro nobre de Santiago] com projeto igualzinho ao meu e da mesma construtora estão de pé".
       Essa reclamação se baseia em algo que vem assombrando muitos chilenos e afetando a credibilidade das construtoras do país: o uso de dois pesos e duas medidas na hora de construir. Algumas grandes construtoras e incorporadoras chilenas estão sendo acusadas de usar matérias de qualidade baixa em áreas nas quais a fiscalização é mais "frouxa".
       Donos de imóveis afetados dizem que essa fiscalização mais frouxa se daria porque os fiscais privados, contratado pelas próprias construtoras, não querem perder seus clientes mais poderosos. Os mais exaltados insinuam até que haja corrupção por trás dessa "frouxidão".
      Segundo a Lei Geral de Urbanismo e Construção do Chile, de 1975, o empreendedor tem de contratar por conta própria um fiscal terceirizado. O objetivo dessa norma é poupar o Estado dos custos de manter uma fiscalização permanente de obras, jogando essa conta para o setor privado. O que o Estado faz é manter uma lista de fiscais independentes credenciados.
        Analistas e políticos dizem que os casos de desmoronamento podem ter como pano de fundo a irresponsabilidade de construtoras, mas reclamam também da falta de fiscalização do poder público.
       Alberto Undurraga, prefeito de Macul, afirma que a responsabilidade maior é das construtoras, "mas há, sim, responsabilidade pública". Para ele, o papel fiscalizador do poder público precisa ser aperfeiçoado. "A norma de fiscalização está velha. Precisa ser reformada."
        Claudio Vázquez, arquiteto e pesquisador da Universidade Católica, diz que "as normas de construção do Chile são antigas e é preciso agora revisar as normas antissísmicas", tanto no lado construtivo quanto no lado da fiscalização.
       Uma das principais construtoras citadas por problemas de construção em Maipú é a Paz Corp. A empresa diz que não negligenciou nenhuma norma ou padrão de construção civil.
       Segundo Ariel Magendzo, diretor da Paz, a empresa tem US$ 50 milhões em caixa e deve resolver com facilidade as questões relativas a eventuais indenizações. Em tom nervoso, Magendzo diz que o nome da empresa está sendo desconstruído por causa da má vontade da imprensa. "Toda essa situação pela qual a empresa vem passando é injusta. Cumprimos todas as regras e somos uma empresa que atua de forma legal e estrita."
       As ações da Paz Corp. na Bolsa de Santiago caíram quase 25% desde o dia do terremoto.
       O Ministério Público está investigando danos em edifícios da Paz e de outras construtoras. Kronhill, MIG e pelo menos outras quatro empresas são acusadas por chilenos de terem usado material de baixa qualidade em edifícios danificados no tremor.
       Rafael Riddeli, diretor do Departamento de Engenharia Industrial da Universidade Católica do Chile, diz que é necessário cuidado ao acusar as construtoras. "Temos de levar em conta que a maior parte dos edifícios construídos sob as regras impostas em 1975 está de pé. Nos que sofreram danos maiores, a maior parte das pessoas conseguiu sair tranquilamente."
       Magendzo, da Paz, diz que não é contra uma maior fiscalização, contanto que ela não se transforme em mais burocracia e nem leve a maiores custos para as construtoras. "Confio muito no sistema de autorregulação."
       Felipe Marín, que perdeu seu apartamento em Maipú, diz, por sua vez, que quer investigações profundas. "Confio no Ministério Público e na Justiça."

Rodrigo Uchoa, Valor Econômico - 09/03/2010

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