Engenheiros explicam em artigo publicado no jornal "Valor Econômico" que a tecnologia em eletrônica está cada vez mais incorporada nos componentes, que são importados, e que restou para a indústria brasileira, sobretudo a montagem de kits importados
A importação de tecnologia é vital para o desenvolvimento industrial, principalmente nos países em desenvolvimento. O Japão nas décadas de 50/60 e a Coreia do Sul na década de 70 são exemplos de países que importaram tecnologia para desenvolver suas indústrias, principalmente no setor eletrônico. E nem mesmo países desenvolvidos detêm internamente toda a tecnologia que utilizam: de 1998 a 2007 os EUA gastaram U$$ 259 bilhões com importação de tecnologia em valores correntes, a Alemanha gastou US$ 244 bilhões e o Japão US$ 48 bilhões, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Em contrapartida, esses países também obtiveram receita com os royalties decorrentes de tecnologia própria exportada para outros países no mesmo período. Os EUA faturaram US$ 577 bilhões, a Alemanha US$ 237 bilhões e o Japão US$ 136 bilhões licenciando tecnologia. Isso demonstra que os maiores importadores de tecnologia são também aqueles que mais exportam tecnologia, indicando uma correlação positiva entre importação tecnológica e desenvolvimento tecnológico endógeno.
Ao contrário do que se pode imaginar, o Brasil importa pouca tecnologia, mesmo após a abertura econômica da década de 90, quando ocorreu um relaxamento geral nas restrições à importação. Nos últimos dez anos, remetemos ao exterior apenas US$ 13 bilhões na rubrica de tecnologia não incorporada em máquinas ou componentes, com uma média de 1.600 contratos averbados/ano.
No Brasil, a importação formal de tecnologia requer contratos averbados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), assim o contrato produzirá efeitos em relação a terceiros e permitirá remessa de royalties à detentora da tecnologia no exterior com a autorização do Banco Central do Brasil.
Existem vários tipos de contratos de tecnologia, tais como os de Fornecimento de Tecnologia não patenteada, os de Serviços de Assistência Técnica e os de Exploração de Patentes, sendo que um mesmo contrato pode abranger diversas categorias contratuais. Porém, é na categoria de Exploração de Patentes que se encontram as tecnologias mais avançadas e, em média, apenas 28 contratos por ano foram averbados no INPI nessa categoria nos últimos doze anos.
As tecnologias de eletrônica, vitais para o Japão e para a Coreia, além de serem das mais dinâmicas no que se refere à inovação, têm a vantagem estratégica de serem transversais, pois influenciam diversas indústrias. No entanto, desde 1997 o INPI tem averbado em média apenas três contratos por ano envolvendo patentes em eletrônica, menos que 1/9 do total de 28 contratos averbados para tecnologias patenteadas. Uma explicação para esse fato é que a tecnologia em eletrônica está cada vez mais incorporada nos componentes, que são importados, e assim praticamente não há demanda nacional para importação de tecnologia patenteada em eletrônica.
Restou para a indústria brasileira, sobretudo a montagem de kits importados. Isso ocorreu e ainda vem ocorrendo, por exemplo, no caso dos monitores e televisores com tecnologia LCD (tela de cristal líquido), que têm registrado vendas crescentes no Brasil nos últimos anos e cujos componentes, incluindo a tela de LCD, pagam frete barato devido ao seu baixo peso e volume unitário. Não há produção local dos componentes, nem tampouco importação de tecnologia para fabricação. Cenário diferente ocorreu para os televisores e monitores com tecnologia CRT (tubo de raios catódicos), onde há produção local, pois o custo de importação seria proibitivo em função do elevado peso do tubo e do maior risco de avarias.
É notável, ainda, que quase metade dos contratos de importação de tecnologia patenteada em eletrônica tenha à frente, por parte do receptor da tecnologia, empresas não relacionadas ao setor eletrônico, de acordo com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), tais como as empresas de "atividades cinematográficas e de vídeo"; ou de "edição de discos, fitas e outros materiais gravados"; ou de "fabricação de discos e fitas virgens".
Tais empresas fabricam, entre outros produtos, suas próprias unidades de CD, DVD e Blu-Ray e remetem royalties sobre o preço líquido de cada unidade vendida, visto que tais tecnologias são objeto de patentes em vigor no Brasil de propriedade de multinacionais estrangeiras. Isto parece um indício de que, além de pouco expressiva, a importação de tecnologia patenteada em eletrônica por empresas brasileiras é direcionada apenas para o uso. Pode-se supor que os receptores de tecnologia nessa condição não terão possibilidade de absorção nem desenvolvimento dessas tecnologias pois a fabricação de produtos eletrônicos não é o seu negócio principal.
Observada em detalhes, a insignificante importação de tecnologia mais avançada em eletrônica indica que o Brasil ainda está dependente tecnologicamente, ao invés de expressar uma capacidade de assimilação, criação e consequente autonomia tecnológica. Há lacunas graves na cadeia de produção de componentes eletrônicos no Brasil. É uma situação muito precária, considerando-se a relevância da eletrônica nas bases técnicas contemporâneas. Faz-se necessária uma política de expansão da capacitação tecnológica brasileira em eletrônica, na qual um aumento da importação de tecnologia, se bem orientado como foi nos países asiáticos que hoje são grandes exportadores nesse setor, será apenas parte de um investimento positivo para reverter o atual déficit tecnológico em eletrônica em direção a nossa soberania tecnológica nacional.
(Fonte: André Korottchenko de Oliveira é engenheiro eletrônico e consultor; Luiz Antônio Meirelles é engenheiro de produção e professor da Escola Politécnica da UFRJ. Artigo publicado no "Valor Econômico" e reproduzido no Jornal da Ciência)