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15/04/2020

Artigo – O impacto do coronavírus no transporte coletivo

Francisco Christovam* 

 

Uma das frases que mais se ouve atualmente é: “passada a crise, nenhum setor da economia voltará a ser como era antes”. Indo um pouco mais além, pode-se dizer que, quando tudo voltar à normalidade, as empresas de transporte coletivo deverão reorganizar suas finanças, repactuar suas relações com o poder concedente, rever seus planos de negócio e, o mais importante, repensar seus modelos de gestão e de governança empresarial. 

 

Embora a chegada do coronavírus tenha causado transtornos de toda ordem, as empresas operadoras se adaptaram muito rapidamente à nova situação e às imposições próprias de uma crise, desconhecida e extremamente complexa, que assolou a área da saúde pública. Atendendo às recomendações do poder concedente ou mesmo por iniciativa própria, as empresas mudaram radicalmente seus procedimentos de limpeza e de higienização dos veículos e do pessoal de operação, especialmente daqueles que têm contato direto com os passageiros. Em um curto espaço de tempo, a grande maioria das empresas já havia providenciado encomendas de álcool etílico hidratado (70º INPM) e de álcool gel a granel e mobilizado equipes internas ou terceirizadas de limpeza, para garantir melhores condições de assepsia às instalações fixas e aos veículos. 

 

Mas, com a decretação das medidas de isolamento ou de distanciamento social, a brusca queda de demanda de passageiros que, nas principais cidades do País, variou de 70% a 80%, fez com que as empresas tivessem que reduzir bastante a oferta de lugares, quase que na mesma proporção da redução do número de passageiros, salvo raras exceções. 

 

Deixando de lado medidas judiciais doidivanas e decisões políticas fora do contexto, que determinaram a operação plena da frota, mesmo com a drástica redução do número de passageiros, houve a necessidade de diminuir a quantidade de veículos em operação, para garantir o atendimento da população e, ao mesmo tempo, reduzir os custos operacionais.

 

Com o desequilíbrio entre oferta e demanda, as empresas operadoras, principalmente aquelas cuja remuneração depende exclusivamente da arrecadação proveniente do pagamento das tarifas, se viram numa situação extremamente delicada. Ao se analisar a planilha de custos dos serviços de transporte coletivo urbano de passageiros da maioria das cidades brasileiras, verifica-se que, na média, 51% do total são custos fixos (mão de obra e depreciação), 32% são variáveis (combustível, rodagem e peças de reposição) e 17% são outros (remuneração do capital, tributos e despesas administrativas). 

 

Assim, quando a frota fica retida nas garagens, as empresas deixam de gastar apenas a parcela referente ao custo variável, ou seja, combustível, pneus e câmeras e peças de reposição.  Todos os demais custos que compõem o custo total da produção dos serviços permanecem inalterados, porque independem da circulação dos veículos. Isso vale para o pagamento da mão de obra contratada, para a depreciação dos ativos, para a remuneração do capital empregado e para o pagamento das despesas administrativas e dos tributos incidentes.

 

Como a parcela mais significativa do custo de produção dos serviços diz respeito ao custo de pessoal – que é da ordem de 43% –, a brutal queda na arrecadação deixou as empresas sem condições financeiras para quitar despesas correntes e cumprir suas obrigações trabalhistas com os motoristas, cobradores, fiscais e com o pessoal administrativo e de manutenção. 

Independentemente do esforço que cada empresa operadora buscou realizar junto ao poder concedente, no sentido de viabilizar medidas para mitigar os problemas financeiros que poderiam afetar a prestação dos serviços de transporte coletivo de passageiros, principalmente nas cidades de médio e grande portes, é preciso registrar o enorme empenho dos técnicos e dirigentes da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) junto às autoridades do governo federal, na apresentação de propostas, discussão de ideias e busca de soluções, para garantir que nenhuma solução de continuidade pudesse acometer o setor. 

 

A título de exemplo, a Emenda Aditiva nº 026, que altera o artigo 13 da Medida Provisória 936, criando o Programa Emergencial de Transporte Social do Governo Federal, proposta pelo deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS), foi feita com base nas sugestões discutidas e apresentadas pela NTU.

 

É preciso reconhecer, também, que a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), a Frente Nacional de Prefeitos e o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana não mediram esforços para conferir mais peso técnico e político às reivindicações e sugestões propostas pela entidade que representa as empresas operadoras de transporte coletivo no País.

 

Nesse sentido, a NTU encaminhou às áreas competentes do governo federal, particularmente ao Ministério da Economia, propostas para gerar recursos extraordinários, destinados a custear os serviços no período da crise e reduzir custos operacionais. Dentre as propostas apresentadas destacam-se a obtenção de linhas de crédito, com juros subsidiados, junto às instituições financeiras oficiais, para garantir capital de giro; a aquisição de créditos eletrônicos de transporte, no montante de R$ 2,5 bilhões por mês, pelo governo federal, para serem destinados aos programas sociais sob a responsabilidade da União; o fornecimento de óleo diesel diretamente pelas distribuidoras, a preço de custo; e a suspensão temporária dos contratos de trabalho, da mão de obra eventualmente ociosa, com o pagamento integral do seguro-desemprego.

 

Entretanto, se as propostas ou sugestões já apresentadas não forem viabilizadas, com a implantação imediata das ações previstas, não haverá como impedir que várias empresas, em muitas cidades espalhadas por todo o País, interrompam suas atividades e deixem de operar as linhas e de transportar passageiros, por absoluta falta de condições financeiras.

 

O transporte coletivo de passageiros é, por definição constitucional, essencial e estratégico e, também, por assim dizer, o serviço público que viabiliza os demais serviços de utilidade pública, que tornam viáveis o funcionamento das cidades e o dia a dia das pessoas. Sem o transporte, a maioria dos cidadãos não chega ao local de trabalho, para garantir os recursos de que necessita para viver; não se desloca até a escola, para adquirir conhecimento e formação; não acessa o médico ou o hospital, para tratar as suas doenças; e não chega até as lojas ou ao supermercado, para comprar comida e outros produtos necessários à sua sobrevivência. Sem o transporte, as pessoas entram em isolamento – palavra da moda – laboral, social e vivencial.

 

O grande receio de quem é responsável pelos deslocamentos das pessoas, principalmente nas grandes cidades, é o isolamento empresarial, que deixará milhões de pessoas sem condições de poder exercer o seu direito de ir e vir e de contribuir para que a economia do País também não entre em colapso, como poderá acontecer, eventualmente, com a saúde pública.

 

Por tudo isso, não há como negar que a crise provocada pelo coronavírus foi o gatilho que faltava para despertar nas autoridades governamentais a real dimensão e a relevância do transporte coletivo de passageiros. Neste ano, com a realização das eleições municipais, é o momento de transformar promessas de campanha em projetos estruturados, que possam garantir a prestação desse serviço público com a melhor qualidade possível e a custos razoáveis. 

 

Não há mais porque relegar o transporte coletivo de passageiros a um plano secundário no rol das prioridades e tratá-lo muito mais como um negócio de empresários privados do que como um direito do cidadão e um dever do Estado.

 

 

 

 

 

 

*Francisco Christovam é assessor especial do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo (SPUrbanuss), membro da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (Fetpesp), da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), do Conselho Diretor da Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos (NTU), da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e dos Conselhos Deliberativo e Consultivo do Instituto de Engenharia

 

 

 

 

 

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