Rita Casaro
Comunicação SEESP
A CNTU reuniu por ocasião da 13ª Jornada Brasil 2022, realizada em São Paulo, no dia 30 de novembro, seis especialistas para – sob a égide do tema “Democracia, abre as asas sobre nós: desafios e caminhos” – abordar questões prementes da agenda nacional na atualidade e fundamentais para a construção de um País melhor, tendo com norte a comemoração do bicentenário da Independência.
Fotos: Beatriz Arruda
A fundamental garantia de soberania nacional foi o tema da economista e pesquisadora Ceci Juruá. Segundo ela, o Brasil, que possui a singularidade de ter se tornado um Estado nacional já como uma democracia liberal, precisa não só assegurar sua capacidade de decidir o próprio destino mas também de fazer cumprir a vontade do povo. “Sem soberania popular, a nacional fica enfraquecida. Daí, a ligação entre soberania e democracia. No Brasil, as eleições legitimam o Estado para exercer a soberania”, explicou ela.
Juruá lembrou ainda que a democracia no Brasil já foi alvo de inúmeros golpes, que sempre encontraram a devida luta pelo retorno à normalidade institucional. “No de 1964, tivemos uma grande luta de resistência cujo resultado foi o pacto democrático que originou a Constituição de 1988. Nas finanças públicas, a Constituição foi perfeita em termos de dar todas as condições para realizar as aspirações do povo brasileiro.”
No momento atual, Juruá identifica como meta crucial a preservação dos recursos naturais e riquezas nacionais, impedindo sua entrega a potências ou corporações estrangeiras. “Temos que resgatar a nossa soberania para usufruir das nossas riquezas e comandar o nosso destino. Senão, nosso destino será a África, onde estão 17 dos 20 países mais pobres do mundo. Se não tivermos indústria, nossos minérios serão exportados a preços vis”, alertou ela.
Apesar da situação preocupante, Juruá vislumbra oportunidade positiva na mudança geopolítica que se observa no mundo com os Estados Unidos deixando de ser uma potência única, e a China ocupando espaços comerciais importantes. “ Vamos manter a nossa soberania, com desenvolvimento, justiça social e paz”, concluiu.
Sem desalento
“Já passamos por muitas esquinas perigosas e estamos aqui celebrando a democracia, a liberdade e testemunhando o valor dos direitos humanos. Houve avanços e nossa política de direitos humanos foi premiada. É não entender a história achar que os direitos humanos sejam um estorvo”, afirmou o ex-ministro da Justiça e presidente da Comissão de Justiça e Paz, José Gregori, em referência à polêmica sobre o tema surgida na recente campanha eleitoral no Brasil. Defensor de regras penais mais rígidas e do armamento da população, o candidato vencedor, Jair Bolsonaro, tem sido crítico da política conduzida no setor. “Tenho a esperança que eles tomem conhecimento que direitos humanos não atrapalharam o desenvolvimento da Suécia, da Noruega ou da Dinamarca, pelo contrário”, ironizou.
Às vésperas da comemoração dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948, o tema, apontou o ex-ministro, lamentavelmente ainda não teve a penetração social devida. “Não fomos às bases para mostrar o valor dos direitos humanos, da convivência pacífica. Temos que mostrar à juventude que essa luta vale a pena”, refletiu.
Saudando a iniciativa da CNTU, Gregori acenou com a esperança de dias melhores. “Vocês confirmam em mim que a grande bandeira são os direitos humanos em seu sentido largo. Não há razão para desalento, não me vejo no apocalipse. O Brasil sempre deixa uma saída. Estamos vivos e dispostos a persistir.”
Cultura de paz
Para o poeta, curador e consultor cultural, Hamilton Faria, há hoje reação voltada a reprimir a manifestação “da criatividade que se expandiu”. A resistência a esse movimento retrógrado, advogou, deve se dar de forma propositiva, contextualizada, por meio da cultura de paz.
Entre as posições de retrocesso, ele citou o projeto “Escola sem partido” (PL 867/2015) em debate atualmente no Congresso Nacional, cujo objetivo seria “evitar o pensamento crítico”. “Os poetas foram expulsos da República por Plantão porque eram mentirosos profissionais. Estamos disputando símbolos e queremos dar rumo à cultura. Hoje vivemos uma mudança de época, de paradigma. Sai o ‘Penso, logo existo”; entra, o ‘Sinto, logo existo’. Há uma outra escuta do mundo, cuja centralidade é uma cultura de direitos”, descreveu.
Nesse contexto, pontuou, há uma emergência irreversível de novos atores, que incluem os coletivos de jovens, negros e LGBTs. “Em oposição às carências, há as potências, que estão espalhadas e são muito importantes”, aposta.
Contra a desigualdade
Convidado a falar sobre infraestrutura, ciência, tecnologia e inovação, o engenheiro José Manoel Ferreira Gonçalves, que preside e Frente Nacional pela Volta das Ferrovias (FerroFrente), defendeu a necessidade de vencer os gargalos nesses setores como forma de combater a desigualdade. “São fundamentais não apenas para desenvolver o País, mas para que possamos dar continuidade a políticas públicas em outras áreas, como saúde, educação e defesa. Ferrovia é um instrumento de democracia, se estiver a serviço do interesse público: barateia alimentos, reduz poluição, melhora a mobilidade e a qualidade de vida das pessoas”, destacou.
Ele pontuou ainda a necessidade de se ampliarem os investimentos em inovação – cujos patamares atuais estão abaixo de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) – e pensá-la de forma inclusiva. “Não nos damos conta da desigualdade na revolução tecnológica; 40% da humanidade está desconectada, não tem vez nem voz.” Para Gonçalves, é preciso, portanto, haver tecnologia para todos, “não para guetos”. Na sua avaliação, é urgente “pensar fraternalmente para haver liberdade e igualdade.”
Entre as medidas práticas a serem adotadas, ele indicou incentivo a C,T&I por meio de fundos de financiamento e a redução da burocracia. Ainda, a ampliação de estudos e pesquisas, com fortalecimento das instituições existentes, a exemplo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), e promoção de parcerias entre empresas e universidades.
Centralidade da vida
O presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar), Ronald Ferreira dos Santos, fez uma convocação a todos aqueles que defendem a democracia e os direitos a se engajarem na defesa do Sistema Único de Saúde (SUS), instrumento de universalização do acesso ao mais essencial dos serviços públicos. “A questão central do nosso tempo é a vida, como se produz e reproduz a vida. E quando se fala em saúde é disso que se trata”, pontuou.
Ele lembrou que, graças ao SUS, que completou 30 anos em 2018 e foi fruto da democracia participativa, foi possível fazer com que a saúde não mais fosse regida pelas relações de consumo, mas se tornasse um direito universal no País.
Três décadas passadas, apontou ele, tem havido retrocessos, notadamente causados pela Emenda Constitucional 95. Aprovada em 2016, a regra congelou as despesas públicas por 20 anos. “O teto dos gastos impede o País de cuidar da vida do nosso povo. Há estatísticas negativas sobre aumento mortalidade infantil, dengue e febre amarela”, exemplificou.
A grande mobilização em torno do tema está ocorrendo, informou Santos, no processo da 16ª Conferência Nacional de Saúde cuja etapa final ocorrerá de 4 a 7 de agosto de 2019, em Brasília. Conforme ele, a iniciativa que tem como tema “democracia e saúde“ já teve em sua organização a participação de 700 mil pessoas. “Hoje, a defesa da vida precisa reunir força social. Vamos unir e reunir a sociedade da forma mais ampla possível, sem preconceito. A CNTU é um espaço de reunião dos diferentes que se identificam na democracia e na luta por direitos. Precisamos trazer o povo”, concluiu.
Combate à desinformação
Laurindo Lalo Leal Filho, jornalista, professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e diretor do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, chamou a atenção para um aspecto fundamental a qualquer esforço de fortalecimento da liberdade e garantia de direitos: é preciso haver democratização da comunicação.
Para tanto, segundo Lalo, será necessário reverter a tendência de manipulação por meio das novas tecnologias. “Há um processo novo no qual se tem a sensação de individualização da comunicação, o que se dá em especial pelo WhatsApp. Mas essas ferramentas estão sendo utilizadas de maneira ruim”, advertiu.
Como exemplos, ele citou as eleições de outubro no Brasil em que circularam fartamente as chamadas “fake news” e matéria da publicada pelo jornal Folha de S. Paulo revelou o uso de disparos maciços por WhatsApp desse conteúdo por apoiadores da campanha
de Bolsonaro. Fenômeno parecido, contou ele, aconteceu durante o debate sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit.
Para convencer os britânicos a votarem pelo abandono do bloco no plebiscito realizado em 2016 foi divulgado que haveria mais recursos disponíveis para a saúde pública, o que não correspondia à realidade. Conforme Lalo, processos semelhantes ocorreram ainda para favorecer a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e para impedir o processo de paz entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs) e o governo daquele país.
O instrumento, ponderou Lalo, é utilizado como ferramenta na guerra híbrida, "que tem como alvo o controle da comunicação e cujo objetivo é destruir projetos transnacionais multipolares, a exemplo dos Brics, da Unasul, do Mercosul.” Apesar das ameaças no horizonte, ele aposta na reversão do quadro negativo: “Nestes momentos difíceis, cresce a união entre os que querem o retorno da democracia em sua forma mais ampla.”
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