Tecnologia permite conhecer e planejar “cidade real”

Soraya Misleh

É o que possibilita o uso do geoprocessamento no planejamento urbano. Ferramenta imprescíndivel hoje para a execução dessa tarefa, segundo assegura o chefe da Divisão de Cadastro Técnico da Prefeitura de Ribeirão Preto, engenheiro Paulo Cesar Motta Barbosa, nada mais é que um sistema que inclui mapeamento da localidade mediante vôo aéreo e uso de imagens por satélite. “Daí, é feita uma simulação da realidade, ao transferir os dados para a tela do computador.”

A tecnologia vem sendo adotada por muitas localidades, que perceberam nela a possibilidade de economia ao cofre público, precisão nas informações e agilidade no serviço prestado ao cidadão. É o caso de São Paulo, cuja gestão anterior iniciou o mapeamento digital da megalópole. O projeto, previsto para estar pronto em setembro deste ano, é complexo, conforme a assessoria de imprensa da Secretaria de Planejamento do município, “dadas as dimensões da cidade e, principalmente, as características da ocupação do seu território, com alta densidade no centro e ocupações irregulares nas áreas periféricas”. Incluído no PMAT (Programa de Modernização da Administração Tributária dos Serviços Sociais Básicos) do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) voltado às gestões municipais, o trabalho coordenado pela Secretaria de Planejamento envolverá diversas pastas. Visa, de acordo com a assessoria, suprir a grave carência de informações cartográficas confiáveis e atualizadas sobre o território – os dados utilizados pela Prefeitura datam de 1954 e de 1973, tendo parciais modernizações em 1986.

Assim, abrange a coleta e o georreferenciamento de volume considerável de informações sobre a cidade, tais como o traçado das ruas, os nomes e as características dos logradouros, áreas públicas, edificações, relevo, hidrografia, equipamentos urbanos, entre outros. Quando concluído, o mapeamento digital permitirá o conhecimento da “cidade real”. “Ou seja, das várias partes do conglomerado urbano que não estão registradas nos cadastros e de áreas públicas de difícil controle.” E, complementa a assessoria, dotará a Prefeitura de instrumentos eficazes para o controle do uso e ocupação do solo, a gestão de seu patrimônio imobiliário, a implantação dos projetos de infra-estrutura urbana, o planejamento e execução dos programas sociais e elevação do padrão de atendimento aos cidadãos paulistanos.

Conforme Washington José Moyses, chefe da área de geoprocessamento do Departamento de Processamento de Dados de São Bernardo do Campo, nessa cidade, o projeto desenvolvido motivou, inclusive, mudança de lei que determina que todos os logradouros devem ser cadastrados, sejam oficiais ou não. Desse modo, tem-se um retrato verdadeiro do município. “A população carente não é mais excluída do mapa”, constata Maria Cristina Biagioni Wrobleski, chefe da Divisão de Estatística e Cadastro da Secretaria de Administração local.

A Prefeitura de São Bernardo poderá utilizar o geoprocessamento para tratar dos problemas da cidade, que hoje abriga cerca de 740 mil moradores. “Temos uma base cartográfica atualizadíssima, com ruas e quadras, porque foi feito vôo em abril de 2002 e já recebemos todas as imagens restituídas, com exceção dos lotes. Esses foram compostos pela base anterior”, destaca Wrobleski. E explica: “O aplicativo que desenvolvemos chama-se ficha de informação cadastral, a qual traz informações sobre o empreendimento, zoneamento, interferências, recuos especiais, restrições, logradouros confrontantes, croqui de localização, enfim, informações imprescindíveis para se desenvolver projetos baseados em um lote.” Na sua ótica, o georreferenciamento vai trazer facilidades ao cidadão e ao poder público, com garantia de maior agilidade no processo e transparência na informação.

Priorizar recursos
Ela ressalta que esse é apenas um dos “produtos de geoprocessamento” desenvolvidos pelo município, haverá outros específicos para a área de planejamento urbano. “Será possível visualizar qual a tendência de uso do solo para cada região e até propor alteração e simular como ficará a demanda para aquela área.” Ou seja, onde será preciso colocar mais equipamentos de educação, saúde, infra-estrutura em geral. Futuramente, a idéia é integrar as informações, para que sejam usadas por todos os departamentos da Prefeitura.
Santos também deu a largada em seu trabalho de efetuar o “levantamento da cidade real”, assegura o secretário de Governo do município, Márcio Antônio Rodrigues de Lara. “Atualizamos o cadastro técnico das quadras, eixos de via, fizemos a vetorização e o colocamos online para consulta. O anterior, em papel, datava de 1972. Estamos fazendo um mapeamento completo e temos 90% dos morros já vistoriados”, enfatiza. Segundo ele, diversas secretarias já utilizam as informações georreferenciadas graças ao projeto intitulado “Santos Digital”. A pretensão, numa segunda etapa desse trabalho, prevista para ter início neste ano, é combinar esses dados e elaborar mapas temáticos, relatórios e gráficos, que deverão ser disponibilizados online. “Isso será uma ferramenta de gestão”, observa. E exemplifica: “Ao se associar dados, é possível alocar recursos para as prioridades nos diversos setores onde for necessário e justificar investimentos em áreas mais carentes.” Desse modo, na sua concepção, o uso do geoprocessamento propicia uma melhora na qualidade de vida nas cidades, via planejamento com base na realidade. “Em Santos, na região dos diques e cortiços, há necessidade de ações localizadas e concentradas para a requalificação urbanística, de modo a promover a inclusão social e transformar essa realidade. Temos indicadores do nível de renda da população de habitações subnormais e de pessoas com tuberculose. A associação dessas informações permitirá ver que há ilhas de exclusão que precisam ser tratadas”, explica Lara. Barbosa confirma: “Através do sistema de geoprocessamento você sabe onde está a população de mais baixa renda. Então, a Prefeitura pode lançar um programa social para essas áreas. Dá para perceber com maior precisão suas demandas.”

Segundo ele, com esse instrumento, é possível ter diagnósticos e determinar soluções. “A Prefeitura pode tomar uma decisão de mudar o zoneamento de um local e aproveitar sua infra-estrutura”, pondera. Em sua cidade, Ribeirão Preto, o uso da tecnologia para se definir ações é incipiente. De acordo com ele, a gestão municipal está promovendo licitação para fazer o mapeamento de todos os lotes da área urbana. “Isso vai servir como base a todo o processo de geoprocessamento que vamos implantar. O uso da ferramenta é fundamental ao planejamento, ainda mais numa cidade como Ribeirão Preto, com quase 600 mil habitantes”, afirma.

Afora isso, no município foi implementado um projeto-piloto com base em dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “Pegamos os censos de 1991, 1996 e 2000 e comparamos a evolução. Temos um setor da cidade, Campos Elíseos, em que foram concentradas várias ações e houve investimento. Apesar disso, percebeu-se demograficamente que a densidade lá diminuiu. Teve um êxodo da população e através de um programa de geoprocessamento você mostra isso para o prefeito, que pode tomar uma decisão de planejar melhor aquele espaço.”

Saúde e transporte
Ele assevera que, além de direcionar as políticas públicas, é possível uma maior eficiência em iniciativas diversas. Como exemplo, cita algumas viáveis na área da saúde. “Ao acessar o sistema de geoprocessamento e ter a informação do controle de zoonoses e das unidades de saúde, vê-se que numa determinada região foram atendidas tais pessoas que moram em certos lugares e estão com dengue. É mapeado isso no computador. Uma equipe é direcionada para o local.” Isso, conforme o engenheiro, dispensa a necessidade de se procurar o foco do mosquito por toda a cidade, aleatoriamente. Barbosa continua: “Vamos dizer que a Secretaria da Saúde vai fazer uma campanha para pessoas com problemas cardíacos. Ela entra no seu banco de dados e vê quem são as pessoas que mensalmente pegam remédio para o coração. Sai uma lista por região e dá para se implementar um projeto de medicina preventiva casa a casa, porque tem-se pontualmente no mapa onde moram essas pessoas. Sem um sistema desses, dependendo do tamanho da cidade, é impossível fazer isso.”

Na sua concepção, quanto mais completo o mapeamento, maior a possibilidade de se desenvolver ações que melhorem a vida do cidadão. “Há casos em que, além das quadras e dos lotes, inclui-se área edificada, curvas de nível, eixos das ruas, redes de água e esgoto, posteamento, árvores, colocam-se todos os equipamentos. Se você tiver os eixos de logradouros e os pontos de ônibus mapeados, consegue otimizar as rotas desses veículos urbanos. O sistema de geoprocessamento permite traçar um caminho alternativo em determinados horários em que se atribui que há mais congestionamento”, salienta.

Outra possibilidade apresentada por Barbosa é a adoção do instrumento para questões relativas ao meio ambiente. “Se tivéssemos todas as árvores mapeadas, daria para verificar aquelas que estão numa calçada onde passa uma infra-estrutura de água e esgoto. E quais as espécies cuja raiz desce e começa a arrebentar a rede. Daí, seria possível trocar essas de lugar”, considera. Alternativa ainda seria efetuar um sensoriamento remoto. “Vamos dizer que temos um mapa da cidade e uma foto tirada hoje. Daqui a dois meses tiramos outra, comparamos e verificamos os maciços vegetais. Pode-se perceber se está havendo degradação e interferir. Ou até descobrir depósitos clandestinos de lixo.”

Um município que está desenvolvendo trabalho nessa área é Jacareí. “Estamos terminando de montar um banco de dados que inclui informações sobre solo e seu uso atual, estações de tratamento de esgoto funcionando, reservatórios de água, além de dados do plano diretor. Vamos ver se tem problema socioambiental em determinado local, matas ciliares, rios, córregos, recuperação de nascentes, bem como monitorar os portos de areia por imagens de satélite”, conta Carlos Alberto Cerqueira Lima, engenheiro agrônomo da Secretaria do Meio Ambiente de Jacareí. Posteriormente, os dados serão cruzados com os da Secretaria de Planejamento e usados para auxiliar na delimitação de áreas de preservação e emissão de diretrizes de loteamento residencial e industrial. “A intenção da Prefeitura é montar um banco de dados único, no longo prazo. Estamos caminhando para isso”, destaca.

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