Memória

Iniciada no século XIX, produção de papel no Brasil deslancha com Getúlio

Soraya Misleh  

Pergaminhos feitos com peles de animais na Europa e o papiro no antigo Egito eram usados para a escrita antes do papel, fabricado pela primeira vez na China, no ano 105, por T´sai Lun, um eunuco do imperador. Segundo consta no site da Bracelpa (Associação Brasileira de Celulose e Papel), ele fragmentou em uma tina com água cascas de amoreira, pedaços de bambu, rami, redes de pescar, roupas usadas e cal para ajudar no desfibramento.

Desde então, muitos materiais foram utilizados para a produção de papel, como trapos velhos, cânhamo, capim e palha. Contudo, a qualidade atual somente foi conquistada no século XVIII, quando passou a se empregar a madeira como matéria-prima. A técnica foi aperfeiçoada no período seguinte, com a mecanização da produção. Todavia, apesar da evolução contínua nos processos de manufatura através dos tempos, o princípio original de desintegrar fibras vegetais por fracionamento, formar a folha retirando a pasta da tina d´água e procedendo ao aquecimento para secagem permanece inalterado. No Brasil, esse também não se perdeu no caminho e mantém-se nas sofisticadas fábricas da atualidade.

Sua origem aqui coincide com a chegada da família real portuguesa, em 1808. Contudo, conforme João Alfredo Leon, superintendente da ABTCP (Associação Brasileira Técnica de Celulose e Papel), somente no início do século XX a indústria nacional começou realmente a se desenvolver. “Durante o segundo Império (sob a regência de D. Pedro II), no final do século XIX, houve algumas tentativas de se incrementar o número de edições de livros e jornais, mas o imperador não era muito favorável à publicação de material impresso, havia um pouco de receio da propaganda política republicana. Então, apesar de terem surgido algumas pequenas fábricas, não foram à frente, porque o consumo de papel era muito baixo”, revela. Embora o aumento da demanda tenha marcado o período seguinte, a Nação ainda não se destacava como grande produtora. De acordo com Leon, apenas com o advento da Segunda Guerra Mundial e as dificuldades para se importar e obter matéria-prima, começou a haver um estímulo à produção nacional, o que culminou com o surgimento das indústrias de porte no País. A medida foi resultado de um decreto-lei baixado pelo então presidente da República, Getúlio Vargas, em 1940, segundo o qual o Estado deveria auxiliar e incentivar o desenvolvimento da indústria de celulose e pasta mecânica. Nesse período, houve uma série de tentativas de fabricação de papel a partir de fibras alternativas, como de bananeira, sisal, palha de arroz, algodão e bagaço de cana. Mas predominava no Brasil o uso do pinus. Aqui, Leon lembra que “o grande salto no processo deu-se nos anos 70, com o desenvolvimento da tecnologia de se fazer papel de celulose fibra curta do eucalipto. Foi nessa época que a nossa matéria-prima se tornou muito mais competitiva que a usada na Europa e nos Estados Unidos. Sua grande vantagem é que em sete anos pode ser feito o primeiro corte e em quatro o segundo, enquanto o pinus usado na Europa leva de 30 a 40 anos para chegar ao ponto”.


Questão ambiental Antes disso, nos anos 60, passo importante havia sido dado para conter a emissão de poluentes pelas indústrias do setor. Conforme o superintendente da ABTCP, essas precisavam atender a mudança na legislação ambiental e, ao mesmo tempo, reduzir seus custos. Isso porque toda a matéria-prima usada era perdida sob a forma de resíduos que iam para os rios e a atmosfera. “Desenvolveu-se, então, inicialmente nos Estados Unidos e na Europa, um sistema de caldeira de recuperação, que pouco tempo depois chegou ao Brasil. Aquilo que antes se jogava no rio volta para o processo. Isso fez com que as fábricas de papel deixassem de ser extremamente agressivas ao meio ambiente. De uns 15 anos para cá, a tecnologia evoluiu a tal ponto que hoje já se consegue eliminar quase 100% do odor.” Entretanto, Leon observa que, como o sistema é caríssimo, as fábricas menores não conseguiram bancar o investimento. “A indústria se dividiu entre os que tinham condições de fazer celulose, os que fecharam e os que passaram a se dedicar à reciclagem.”

O aperfeiçoamento do processo representou exigência por mão-de-obra mais qualificada e surgiram nas faculdades de engenharia cursos de especialização em celulose e papel. “Hoje, a indústria nacional do setor, em termos tecnológicos e de cuidados ambientais, está nos níveis do Primeiro Mundo.”

Apesar disso, o setor continua a ser apontado como grande poluidor. “Esse estigma continua, assim como o de que a indústria de papel destrói florestas. Mas no Brasil a madeira que se usa para fazer celulose vem de florestas plantadas em áreas degradadas. É uma atividade agrícola, extremamente desenvolvida e que emprega grande quantidade de mão-de-obra”, defende Leon.

Da minguada produção até meados do século XX, a Nação passou a grande fabricante e exportadora. Hoje, atinge a marca anual aproximada de 8 milhões de toneladas de celulose manufaturadas, 7,6 milhões de papel e 2,8 milhões de reciclados. O salto gigantesco e o desenvolvimento contínuo têm justificativa. “Apesar de todas as crises, essa indústria sempre andou para a frente, continuou acreditando no Brasil, investindo e crescendo”, garante o superintendente da ABTCP. Para ele, essa crença no País é demonstrada pelo acordo dos empresários do setor com o Governo Lula, de investir US$ 15 bilhões nos próximos dez anos. Com isso, em uma década, “a indústria esperar dobrar a produção tanto de papel quanto de celulose”.

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