Opinião

Obscurantismo marca debate sobre transgênicos no Brasil

A prática agrícola iniciou-se entre os humanos há cerca de 10 mil anos e continuamente vem dando importantes contribuições para  as sociedades humanas. Há muito tempo, tornou-se prática indispensável para o desenvolvimento dos povos e, embora muito evoluída, ainda não chegou ao máximo de seu aperfeiçoamento.

Dela depende o crescimento populacional humano e esse tem sido muito acelerado nas últimas décadas. A espécie levou entre 300 e 500 milhões de anos para, em 1850, atingir seu primeiro bilhão de pessoas. Na atualidade, a população cresce em um bilhão de pessoas a cada dez ou 12 anos.

É interessante constatarmos, também, o que não tem sido mencionado de forma devida. A quantidade de alimentos que tem sido necessária para satisfazer o aumento no nível social dos chamados povos subdesenvolvidos. Somando-se esses dois fatores, torna-se evidente a importância e a necessidade de mais produção de alimentos. E a utilização dos organismos geneticamente modificados, também chamados transgênicos, é, sem dúvida, o processo mais racional para se solucionar de forma inteligente o problema.


Superstição
Estamos enfrentando uma campanha mística, do tipo das que ocorreram no século XVI  com  Paliesy (1510-1580), Giordano Bruno (1548-1600), – ambos terminaram na fogueira – e os famosos Galileu Galilei (1564-1642) e até Louis Pasteur (1822-1895), já no século XIX. Os argumentos contrários ao uso dos transgênicos são, sem dúvida, semelhantes aos apresentados contra os cientistas acima mencionados. A diferença é que em suas épocas esses propuseram inovações ainda sem provas, ao passo que os transgênicos fazem parte de um sistema que vem sendo experimentado há 10 mil anos por centenas de milhões de pessoas, sem que qualquer efeito negativo de importância tenha surgido.

É incrível que essa argumentação mística e ilógica venha sendo ouvida e até aceita por governos de diferentes países, alguns até civilizados. Em contrapartida, as explicações e argumentos de uma associação de academias de ciências de sete países, que inclui as duas mais importantes do mundo, a Royal Society de Londres e a U.S. National Academy of Science de Washington, favoráveis aos transgênicos, não são aceitas.

Infelizmente, a situação do Brasil com relação ao uso dos alimentos geneticamente modificados é muito grave. A despeito de hoje estarmos na linha de frente em agronomia tropical e da grande capacidade empreendedora de nossos profissionais dessa área, será muito difícil fazer frente a países que, usando metodologia mais eficiente e apropriada – a dos transgênicos –, deixaram-nos para trás, sem possibilidade de competir.

É trágico o Brasil, um imenso país agrícola, com um destacado pelotão de agrônomos e geneticistas de primeira categoria, não poder usufruir de conhecimentos universais  para produzir mais alimentos e competir internacionalmente porque um grupo de mandingueiros foi capaz de convencer o governo brasileiro de que os transgênicos são coisa do diabo.


Crodowaldo Pavan
Geneticista e professor emérito da Universidade de São Paulo, presidente da Abradic (Associação Brasileira de Divulgação Científica)

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