A ARTE DE ORGANIZAR O CAOS

O trânsito caótico tornou-se símbolo das metrópoles e é um dos grandes desafios das cidades neste início de século. Congestionamentos, barulho, poluição, acidentes fazem da vida de motoristas, passageiros e pedestres um verdadeiro inferno. Organizar essa confusão é função da engenharia de tráfego, que nasceu nos Estados Unidos ainda na década de 20.

No Brasil, os primeiros profissionais da modalidade surgiriam nos anos 40, quando se iniciava o desenvolvimento do transporte rodoviário no País, conta Eduardo Alcântara de Vasconcellos, diretor adjunto da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos). Engenheiro civil graduado pela Universidade Mackenzie em 1974, ele tem mestrado e doutorado em Ciência Política na USP e pós-doutorado em planejamento de transporte na Universidade Comell, EUA, entre 1993 e 1995. Segundo o especialista, os engenheiros rodoviários eram o maior grupo a atuar nesse segmento, ligados ao DNER (Departamento Nacional de Estradas e Rodagem) e aos órgãos estaduais.

Os engenheiros de trânsito urbano surgiram a seguir, no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde já havia problemas no trânsito desde os anos 30. Parte desses profissionais foi abrigada nos departamentos técnicos dos Detrans (Departamentos Estaduais de Trânsito), embora institucionalmente ligados à Secretaria de Segurança Pública e controlados pelos delegados, já que o assunto
era considerado atividade de polícia. Vasconcellos estima que haja, no mínimo, 2 mil engenheiros trabalhando ativamente nessa área no Brasil, formados a partir dos anos 70, a maioria em engenharia civil.


NOVA VISÃO
A partir dessa década teve início a discussão, encabeçada pelos europeus, quanto à limitação dos aspectos técnicos da engenharia de tráfego. Assim, começam as propostas de que conceitos sociais e econômicos de eqüidade fossem incorporados a essa área. Mais recentemente, foi acrescentado o aspecto ambiental ao debate. Embora o tratamento tradicional, que visa a circulação de veículos, ainda seja comum, tende a haver a predominância da  postura alternativa, que envolve trânsito, transporte público e uso do solo, explica Vasconcellos. “Entendemos o trânsito como uma circulação de pessoas, que momentaneamente podem estar dentro de um automóvel. Contudo, é preciso discutir a mobilidade dos indivíduos, não a dos carros, como propugnam as técnicas americanas.”

Seguindo essa tendência, nos anos 70 e 80 surgiram empresas de transporte público e de trânsito no Brasil e multiplicaram-se os estudos nessa área, possibilitando a formação de novos engenheiros. A grande novidade, contudo, só veio em 1998, com o novo Código de Trânsito Brasileiro, que determinou a municipalização. As prefeituras tornaram-se responsáveis pelo planejamento e a operação do trânsito e foram obrigadas a manter um órgão voltado à função. Na Capital, já havia a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), uma empresa de economia mista, vinculada à Secretaria Municipal de Transportes.


ASCENSÃO
Criada em 1976, a CET, conta Vasconcellos, foi o grande salto da engenharia de tráfego urbana, capaz de desenvolver técnicas brasileiras de educação de trânsito, análise de acidentes, monitoração de tráfego – essa última realizada até hoje por observação visual, feita por pessoas localizadas no topo dos prédios, o que dispensa a instalação de milhares de câmaras. Para executar o trabalho, os profissionais contam também com moderna tecnologia. Entre elas, as sinalizações horizontal (no solo), vertical (as placas), de segurança, semafórica e os equipamentos eletrônicos, recentemente adotados pela CET em larga escala e disseminados pelo País.

Ele lembra ainda que o Brasil foi pioneiro no desenvolvimento de tecnologia de operação de corredores de ônibus em sistemas viários precários e freqüentemente congestionados. Os primeiros surgiram em Curitiba, no Paraná. Depois, foram construídos na Região Metropolitana de São Paulo — com destaque ao do ABC cortando São Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo e Diadema —, Belo Horizonte, Goiânia e Porto Alegre. 

Apesar dos avanços, “existem procedimentos descoordenados e irresponsáveis em vários lugares, por pressão política”, critica. Segundo Vasconcellos, resta à população a salvaguarda da lei vigente, que define inclusive que o engenheiro seja processado por descuido técnico no controle do tráfego. Ainda contrastando com os resultados alcançados, ele identifica falhas no controle do funcionamento do sistema de ônibus, falta de segurança no trânsito e excesso de poluição. A solução recomendada por ele é tanto de engenharia quanto política:  “aumentar o uso do transporte público, reduzir a utilização de automóvel e implantar a vistoria técnica para impedir que veículos sem condições continuem circulando.”

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JE 200