Falta de critério técnico para receita das transmissoras é avaliada pela Justiça  

Entre as novidades trazidas pelo modelo adotado para o setor elétrico em 1995, uma está atualmente na mira da Justiça. Trata-se da diferença na receita permitida ao serviço de transmissão de energia quando esse é feito por empresas públicas existentes ou pelas novas concessões. Embora a atividade seja rigorosamente a mesma, o ganho assegurado aos investidores privados é muito superior ao das estatais.

A irregularidade é objeto da Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal e pelo SEESP contra a Aneel  (Agência Nacional de Energia Elétrica) e a União. Os autores pleiteiam que o Governo Federal e a Aneel sejam obrigados a definir parâmetros técnicos a serem utilizados para determinação das receitas permitidas a todas as empresas transmissoras. Com isso, será possível preservar a impessoalidade e a isonomia entre as companhias, o que é um dever constitucional, além de constar expressamente como competência da Aneel na lei que a criou (9.427/96).

Datado de novembro de 1999, o processo teve a primeira audiência em 23 de abril último, presidida pelo juiz Aroldo José Washington, da 4ª Vara da Justiça Federal. Durante a audiência, pelo SEESP e Ministério Público, testemunharam Roberto D´Araújo, do Ilumina (Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico), e Ildo Sauer, professor de Pós-Graduação em Energia da USP. Pelos réus, falaram dois superintendentes da Aneel. A sentença deve sair até meados de junho.

A ação trata ainda especificamente da concessão da linha Taquaruçu-Assis-Sumaré  440kV, com cerca de 500km de extensão, cuja licitação SEESP e Ministério Público pedem que seja revogada. Ela foi implantada pelo consórcio Eteo (Empresa de Transmissão de Energia do Oeste), constituído pela  Multiservice Engenharia Ltda. e AMP do Brasil Conectores Elétricos Eletrônicos Ltda. e está em funcionamento desde outubro de 2001. Pelo contrato de concessão, com duração de 30 anos, o investidor tem a receita anual autorizada de  R$ 41,6 milhões, corrigida anualmente pelo IGPM. Como o investimento estimado para a construção da linha de transmissão foi de R$ 207,5 milhões, a receita permitida corresponderia a 21,8% desse capital. Ainda pelo contrato, a partir do décimo sexto ano, a receita anual será equivalente a 50% do valor anteriormente aplicado, representando 10,9% do capital.


Sucateamento
A ação impetrada contra a Aneel compara o negócio altamente lucrativo da Eteo ao serviço executado pela CTEEP (Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista), empresa estatal resultante da cisão da Cesp (Companhia Energética de São Paulo): “A remuneração definida pelo serviço de transmissão a ser prestado pela licitante/vencedora do referido certame é quatro vezes maior do que a  estipulada para a CTEEP pelo mesmo serviço prestado, só que em outros trechos, é lógico.” Com um investimento de R$ 5,8 bilhões, a empresa pública tem receita permitida de R$ 227,1 milhões, equivalente a apenas 3,9% do capital.

Além de combater o flagrante atentado ao interesse público no caso em questão, a ação visa garantir que as transmissoras estatais, ainda a maioria, tenham condições de realizar investimento na expansão do sistema e a manutenção preventiva de suas linhas. “Essa possibilidade fica comprometida com a receita que tem lucratividade zero”, afirmou D´Araújo, do Ilumina. Para Ildo Sauer, a definição da receita, para todas as transmissoras, deve levar em consideração três aspectos básicos: a remuneração dos ativos em serviço, a depreciação desses e os custos de operação. “A tarifa deve ser calculada para recuperar investimentos. A situação da CTEEP mostra que não existem critérios técnicos, o que leva ao sucateamento das estatais”, declarou.

“A CTEEP pode até estar fazendo suas manutenções corriqueiras, mas não dispõe de recursos para promover serviços de manutenção de porte provocados pelo fim da vida útil de equipamentos”, afirmou Carlos Augusto Ramos Kirchner, diretor do SEESP. Segundo ele, muitos desses recursos já ultrapassaram os 30 anos de uso e fatalmente terão de ser substituídos. “É o caso de disjuntores ou transformadores de subestações ou de componentes de linhas de transmissão, como os espaçadores de cabos”, exemplificou.

Texto anterior

JE 188