Engenharia nacional, dos primórdios aos dias atuais

A partir desta edição, o Jornal do Engenheiro se propõe a contar a história da engenharia no Brasil, obviamente sem o devido aprofundamento, dadas as suas limitações, em especial no que se refere a espaço. Para inaugurar essa seção com chave de ouro, entrevistou o professor Milton Vargas (leia quadro), que narra os primórdios da profissão no País. Segundo seu relato, durante o período colonial, as técnicas utilizadas eram medievais e empíricas. “As obras foram feitas à base de aprendizado prático, a partir de mestres, padres construtores ou engenheiros militares portugueses, geralmente não versados em teorias científicas.” Conforme Vargas, somente no século XIX, com a transformação dos engenhos movidos a rodas d’água em usinas a vapor, pode-se afirmar que houve uma contribuição tecnológica na indústria do açúcar, mas ainda assim incorporada apenas a equipamentos importados.

De acordo com o professor, data do início daquele século a chegada ao Brasil da ciência moderna, criada no século XVII na Europa. A engenharia era ainda bastante ligada aos militares e a formação, instituída aqui pelo Marquês de Pombal como parte da reorganização do exército português, possivelmente precária. Apesar disso, os engenheiros militares são autores de grandes obras.


Ensino civil e desenvolvimento
Somente ao desvincular-se o ensino da profissão do Ministério da Guerra, a engenharia no Brasil, que passa a ser atividade civil, começa a se desenvolver efetivamente. Segundo Vargas, isso a partir de 1870, quando se forma a Politécnica do Rio de Janeiro, organizada de acordo com o modelo francês, predominante até hoje, em que são passados inicialmente conhecimentos científicos e depois técnicos. Embora influenciada por essa corrente, a criação da Politécnica de São Paulo, em 1889, cujo fundador foi Antonio Francisco de Paula Souza, seguiu modelo germânico. “Ensinava-se engenharia baseada em ciências físicas e matemáticas, porém acompanhada de intenso ensino técnico em oficinas e gabinetes experimentais. No de resistência de materiais, organizado por Paula Souza, nasce o embrião da pesquisa tecnológica no Brasil.”

Esse surgimento acompanha, conforme o professor, a evolução das construções de edifícios e pontes no País, em concreto armado, já no início do século XX, o que vem a exigir não apenas cálculos matemáticos, como controle tecnológico. Tal incremento, que ganhou vulto com a industrialização, estende-se até a 2ª Guerra Mundial. “E em 1938 o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) desenvolveu, com a orientação do engenheiro Odair Grillo, que tinha vindo dos Estados Unidos, um equipamento de sondagens adaptado para investigação de solos e fundações em engenharia civil. A primeira grande obra em que se empregou intensivamente mecânica dos solos foi a construção da Usina Siderúrgica de Volta Redonda, em 1940, com a orientação do IPT.”

Antes, no Império e na República Velha, as construções e projetos de estradas de ferro e de portos – como os de Santos e do Rio de Janeiro –, necessários com a exportação de café, foram a principal atividade da engenharia brasileira. “E aproximadamente em 1920 teve início a construção de estradas de rodagem.”


Industrialização
A grande expansão urbanística no Rio de Janeiro e em São Paulo a partir da 1ª Guerra Mundial exigia obras de porte. “Na área de saneamento, vale destacar a do engenheiro Francisco Saturnino de Brito para o município de Santos, entre 1905 e 1914, que serviu de modelo para outras cidades brasileiras”, enfatiza Vargas. Com o desenvolvimento industrial, faz-se necessário o suprimento de energia térmica e elétrica, o que é feito, nesse último caso, pelas companhias Lights no Rio e em São Paulo, desde o início do século XX até 1979.

Esse período foi coroado com uma obra máxima da engenharia brasileira: a construção da cidade de Brasília, durante o Governo Kubitschek (1951-1961). Segundo Vargas, essa contribuiu ao incremento da rede de rodovias federais pavimentadas, o que modificou a geografia de transportes do País. “Porém, a integração nacional só se reforçou consideravelmente quando estabeleceu-se aqui uma rede de telecomunicações totalmente brasileira.”  A ampla infra-estrutura no País propiciou desenvolvimento industrial e agrícola nos anos 70. “Tal época é das grandes conquistas tecnológicas, como a descoberta pela Petrobrás da Bacia de Campos e a exploração do petróleo em águas profundas, e das gigantescas realizações no campo da hidreletricidade, de Itaipu e Tucuruí. Mas é também a dos grandes fracassos da energia nuclear e da indústria de armamentos.” Apesar disso e das crises que afetam a engenharia nacional, seu enorme potencial é, para Vargas, a herança deixada por quase 200 anos de história.  

Quem é Milton Vargas

Engenheiro civil e eletricista, aos 88 anos é profissional atuante. Sócio na empresa Themag Engenharia, é professor catedrático aposentado da Escola Politécnica da USP e emérito na instituição. Participa do Centro Interunidade de História da Ciência da USP, é membro fundador do Instituto Brasileiro de Filosofia e pertence à Academia Paulista de Letras.


Algumas obras publicadas
História da técnica e da tecnologia no Brasil;
Para uma filosofia da tecnologia;
História da ciência e da tecnologia no Brasil: uma súmula.

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