Seguro antiapagão apresenta uma série de irregularidades

A conclusão integra relatório elaborado por técnicos da USP, do SEESP, Ilumina (Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico) e Ceema (Centro de Estudos e Meio Ambiente).

O documento foi enviado no dia 19 de março último ao MPF (Ministério Público Federal), o qual abriu inquérito civil público cinco dias antes para apurar o chamado “seguro antiapagão”. Solicitou, então, através do procurador da República em Bauru, Rodrigo Valdez de Oliveira, parecer sobre o assunto a especialistas que já vinham estudando-o e denunciando irregularidades.

O Governo criou a estatal CBEE (Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial), que está alugando 57 geradores térmicos, com capacidade instalada total de 2.153,6 MW, para serem usados em eventual período de estiagem em que os níveis dos reservatórios das usinas hidrelétricas encontrarem-se abaixo da chamada curva de segurança. O custo total disso poderá chegar a R$ 16 bilhões, conforme o diretor do SEESP, Carlos Augusto Ramos Kirchner. De acordo com o professor Ildo Sauer, responsável pelo Programa de Pós-graduação em Energia da USP, desse montante, R$ 6,8 bi seriam para combustíveis, R$ 1,2 bi destinados à operação e manutenção e os restantes R$ 8 bi para o aluguel. “Construir 2.153,6 MW desse tipo de usina é possível com cerca de R$ 2,5 bi. É um escândalo”, afirma.

Esse ônus será repassado – a exemplo do que já ocorreu em acordo para ressarcir as concessionárias de energia das perdas de receita com o racionamento – aos consumidores, só que dessa vez deixa de fora os que se situam abaixo de 350kWh. Todos os demais pagarão cerca de 2,3% em sua conta de luz pelos próximos três anos e meio, a título de “encargo de aquisição de energia emergencial”. “Se o Governo anunciou em rede nacional de TV o fim do racionamento e afirmou que em 2002 não há risco algum e que em 2003 é de menos de 1%, por que ele resolve comprometer agora R$ 16 bilhões para ter usinas que, segundo ele mesmo, não serão necessárias por dois anos?”, questiona Sauer.

As evidências disponíveis no relatório apontam os números astronômicos. “Tivemos acesso a um dos 28 contratos assinados à locação desses geradores, com a empresa Termocabo, que tem diversas irregularidades. Entre elas, um cláusula de confidencialidade, o que indica falta de transparência, dispensa de licitação, parcela de investimentos em dólar, e, o mais escandaloso de tudo, o preço que está sendo pago pelo aluguel de usina com capacidade de 48MW, em torno de R$ 139 mil por mês por cada megawatt. O prazo do contrato é de 42 meses, o que totaliza R$ 281 milhões pela locação no período. Pelas pesquisas que temos, com aproximadamente R$ 80 milhões se constrói uma usina desse tipo, com vida útil de 20 a 30 anos”, denuncia.

Como se não bastasse o disparate, o Governo vai desembolsar essa quantia gigantesca mesmo que os geradores não sejam usados. “Se a usina for operada, o contratado recebe ainda ressarcimento do combustível e pagamento de R$ 18,13 por cada megawatt/hora a título de manutenção e operação”, continua Sauer. E de acordo com Kirchner, se o contrato for rescindido pelo Governo antes do prazo, esse terá que arcar com o saldo total restante. A única alternativa, na sua concepção, é que, diante das irregularidades apontadas, seja declarado nulo esse contrato.


Desrespeito e providências
Algumas entidades já estão exigindo na justiça providências. É o caso da Pro Teste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, que, juntamente com o Ipeg (Instituto Pedra Grande de Preservação Ambiental), entrou, no dia 15 de março, com Ação Civil Pública pedindo a suspensão imediata da cobrança do seguro antiapagão. A OAB-SP também estuda a questão, visando providências cabíveis.

Segundo Kirchner, mesmo que a negociação que originou o seguro antiapagão não fosse ilícita, não há emergência para justificar a medida. “A título de reduzir riscos eles anunciam mais um ônus ao consumidor, um seguro que na verdade é só aumento de tarifa. E mesmo que não fosse enganoso, não seria aplicável. É ilegal e, pior, está superfaturado, com notórios indícios de improbidade na aquisição de energia”, completa Sauer.

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