Consumidor livra-se do racionamento, mas amarga novos aumentos

“Antes a questão era se teria energia, agora é se haverá dinheiro para pagar por ela.” Assim o diretor do Ilumina (Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico), Roberto Pereira D´Araújo, define a atual situação do setor. “É verdade que o risco de escassez, por hora, está afastado, embora isso se deva principalmente a São Pedro e à população que fez uma economia nunca vista em lugar algum, mas daqui para a frente o que vem é aumento de preço”, adverte.

Em 19 de fevereiro, quando anunciou, para 1º de março,  o fim do racionamento vigente no País durante todo o último ano, o  presidente Fernando Henrique Cardoso não incluiu em seu comunicado a salgada conta que o consumidor começa a pagar também neste mês. A primeira facada diz respeito ao reajuste extraordinário e temporário de 2,9%, para os consumidores residenciais, e  7,9%, aos demais, que ficará em vigor até que seja quitado integralmente o débito das perdas de receita das distribuidoras e geradoras. “O prazo de vigência dessa fórmula perversa, previsto para três anos, pode se alongar por mais tempo ainda. O motivo é que, além de repor os níveis de receita que as distribuidoras vinham tendo antes do racionamento, o Governo resolveu ainda lhes brindar com os lucros cessantes do crescimento projetado de consumo, algo em torno de 5%”, alerta Carlos Augusto Ramos Kirchner, diretor do SEESP. 

Para que fosse feita a chamada compensação, foi criada uma linha de financiamento do BNDES para um empréstimo de R$ 7 bilhões às empresas, valor equivalente a 90% do total dessas perdas. O adicional pago pelo consumidor agora servirá para amortizar essa dívida junto ao banco e arrecadar os 10% restantes. Considerando inadmissível a situação, o SEESP e o Ilumina solicitaram  ao Ministério Público Federal, em 17 de dezembro último, que impedisse o tarifaço. Ainda sem resposta, a representação aguarda providências do MP.

Kirchner lembra que a sociedade tem como alternativa, “fora aceitar o esbulho e pagar a conta”, pressionar o Congresso Nacional a não aprovar a Medida Provisória n.º 14, de 21 de dezembro de 2001, que dá respaldo à recomposição tarifária extraordinária, ou recorrer aos órgãos de defesa do consumidor e ao Judiciário.


SEGURO PARA QUEM?
Além desse aumento, a partir de março, a conta de luz trará mais 2% de reajuste referente ao que está sendo chamado de “seguro energia”. Ficam livres apenas os enquadrados como baixa renda. A novidade é a locação, pelo Governo Federal, de 57 termelétricas pelo período de três anos que, juntas, podem produzir 2 mil MW e devem suprir o sistema em caso de problemas na geração da capacidade instalada no País. “Pagaremos por isso, utilizando ou não. A conta inicial, sem que se recorra a essas usinas, é de R$ 4 bilhões, mas pode chegar a R$ 16 bi, se precisarmos de fato delas”, afirmou D´Araújo. Isso se deve ao alto preço contratado pelo MWh proveniente dessas usinas, por volta de R$ 100,00, mais que o dobro do que custa atualmente a geração hidrelétrica. Se for necessário acioná-las, isso sobe para R$ 288,00/MWh. O custo novamente será repassado a todos os consumidores, excluindo-se aí os que gastam até 350kWh por mês. Para ajudar a cobrir o rombo, haverá ainda um fundo cujos recursos virão de parte da receita das geradoras estatais, pesando mais uma vez no bolso do contribuinte.

Segundo Kirchner, além de elevar drasticamente as tarifas, trata-se de uma segurança bastante duvidosa. Para ele, é o que se qualifica como “reserva fria”, uma vez que os geradores térmicos não se encontram conectados ao sistema elétrico e não terão qualquer influência, por exemplo, para evitar um apagão como o ocorrido em 21 de janeiro último. “A medida certamente não é das mais adequadas,  gastaremos dispendiosas importâncias para, quando terminarem os contratos, as empresas, na sua maioria estrangeiras,  levarem embora do País os geradores locados, possivelmente ainda encaixotados e sem uso.”

Na avaliação do diretor do SEESP, essa é mais uma distorção do modelo do setor elétrico brasileiro adotado em 1995, que passou a considerar energia, antes uma utilidade, como mercadoria (commodity). A medida, de acordo com Kirchner,  “vem ao encontro dos interesses privados que não vêem com bons olhos um exagerada expansão da oferta, o que baixaria os preços”.

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