MAE CAUSA PREJUÍZO AOS CONSUMIDORES E 
PROPICIA VENDA DE ENERGIA INEXISTENTE

O MAE (Mercado Atacadista de Energia) é uma das novidades do setor elétrico. Criado em 1995, ainda é pouco conhecido do público, embo­ra venha tendo impacto significativo no bolso dos consumidores. “É administrado por uma empresa privada (a Asmae), mas vive de recursos públicos. Todas as des­pesas e eventuais desmandos são pagos pela população via tarifa autorizada pela Aneel”, critica Carlos Augusto Ramos Kirchner, diretor do SEESP.

Segundo ele, a estrutura, que já dispen­deu cerca de R$ 120 milhões desde a sua implantação e carrega denúncias de apadri­nhamento político, tem gerado uma série de distorções no sistema. Uma delas é a ne­gociação de “energia virtual”. Isso acontece quando uma geradora não consegue produ­zir tudo o que precisa e, para honrar seus contratos, é obrigada a recorrer ao MAE. O problema é que muitas vezes ela compra­rá de distribuidoras. “O que acontece então? A Cesp pode comprar energia da Eletropaulo para entregar à própria Eletropaulo. Ela está vendendo o direito a uma energia que não existe porque ninguém a gerou e não será consumida”, informa Kirchner. De acordo com ele, nessa brincadeira, a Cesp Paraná teve, entre julho de 1999 e maio de 2001, prejuízos de cerca de R$ 280 milhões, o que está sendo investigado pelo Ministério Público Federal de Bauru. No mesmo período, Eletropaulo e Bandeirantes faturaram juntas aproximadamente R$ 450 milhões no MAE. “Isso gera lucros fantásti­cos a essas empresas, sem que os benefícios sejam repassados à população.”

Esses números devem-se ainda à dife­rença entre os preços cobrados pelas geradoras e pelo MAE. A Cesp Paraná, por exemplo, vende a sua energia a R$ 45,00 por MWh, valor estabelecido nos contratos iniciais. No MAE, que funciona como uma bolsa, o preço do MWh é estabelecido de acordo com o risco de déficit futuro, hoje em R$ 684,00. Dessa forma, voltando ao exem­plo Cesp–Eletropaulo, a geradora é obri­gada a comprar por valor mais que 15 vezes superior ao que vende, enquanto a distri­buidora, cuja tarifa ao consumidor final é de R$ 210,31 por MWh, pode lucrar mais que o triplo no MAE.


Modelo inadequado
Também contrário ao órgão, Roberto Pereira D´Araújo, diretor do Ilumina,  acre­dita que não se trata apenas de corrigir equívocos, tendo em vista que “o sistema de mer­cado atacadista no Brasil tem tudo para dar errado”.  Para ele, o MAE é um dos grandes de­feitos do modelo adotado pelo Brasil, idea­li­za­do pela consultoria inglesa Coopers & Lybrand. Como a estrutura se espelhava na realidade britânica, de matriz termelétri­ca, o mercado não leva em consideração a caracte­rística do sistema hidrelétrico inte­grado. “Aqui, está tudo misturado. Numa situação como a de hoje, em que não há folga, não é possível saber se um agente está avançando na energia de outro”, adverte.

D´Araújo questiona os excedentes que, desde 25 de junho último, estão sendo negociados com grandes lucros no MAE. “Se isso está sobrando mesmo, só sabere­mos no final do ano. O Governo está dizen­do que está tudo bem. Se não for assim, não haverá energia e essas vendas terão piorado a situação.” O problema, explica ele, é que estão sendo comercializados direitos sobre uma certa energia, não o insumo em si. “É como se eu vendesse um terreno sem ter certeza se ele existe”, ilustra.

Na sua opinião, além de aumentar o ris­co para o fornecimento futuro, esses ne­gócios são prejudiciais sobretudo ao con­sumidor residencial. “Esses foram obri­gados a cortar 20% em relação à média do ano passado, que correspondem na realidade a 25%. Imagine uma cidade on­de a redução chegou a 30%. Esses 5% a mais funcionam como se surgisse instan­taneamente uma nova usina. E o que se ganha com isso? Nada. É um ambiente com­pletamente injusto, no qual um setor aumenta a garantia do sistema e quem se aproveita disso são os grandes consu­midores e distribuidoras.”

Colecionando vícios, o MAE pode pro­pi­ciar ainda mais um prejuízo ao interesse públi­co. As empresas que se viram forçadas a reduzir a produção para cumprir o raciona­mento podem encontrar nessa bolsa um negó­cio vantajoso. “Essa lógica leva um empresá­rio a desviar seu foco para uma atividade especulativa. No raciocínio do lucro fácil, é melhor demitir, parar de produzir e faturar com a venda de excedentes”, afirma Kirchner.

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