O BRASIL TREM JEITO? II

A falta de investimento na ferrovia, que nos últimos 40 anos não mereceu a atenção do Estado, culminou com o sucateamento daquele que deveria ser um importante meio de transporte de passageiros e de carga. Para solucionar o problema, conseguir eficiência e competitividade, o Governo optou pela privatização do setor. Assim, entre 1996 e 1998, foram feitas as concessões das malhas ferroviárias a sete diferentes empresas. O processo foi anunciado com festa e comemorado pela indústria, que previu grandes negócios com os novos operadores.

As expectativas, contudo, logo foram frustradas pelo não-cumprimento das metas estabelecidas nos contratos de concessão. No lugar de investimentos, material ocioso, trens e trilhos abandonados e piora no serviço. Em 1998, 12 sindicatos ferroviários elaboraram um relatório conjunto para o Congresso Nacional sobre a "Privatização das Malhas Ferroviárias do Brasil" , afirmando que "nenhum dos objetivos propostos pelo Governo foi atingido". Os sindicatos defendem que o Ministério dos Transportes "intervenha em todas as malhas que não cumprem as obrigações contratuais, cassando todas as concessões". A proposta é que a Rede Ferroviária Federal volte a controlar as malhas no País.

No trecho concedido à Ferroban entre Presidente Prudente e Álvares Machado, a ALL (América Latina Logística do Brasil) está trocando na linha tronco os trilhos deteriorados TR37 pelos de bom estado TR50 de um ramal secundário, que assim será inviabilizado. Tal medida necessitaria de prévia autorização da RFFSA, já que fere o contrato de concessão. Segundo o deputado Carlos Braga, membro da Comissão de Transporte da Assembléia Legislativa de São Paulo, a CPI deverá recomendar ao Tribunal de Contas da União, ao Ministério Público Federal e ao Ministério dos Transportes a rescisão imediata da concessão da malha ferroviária paulista para a Ferroban e a Novoeste. O Ministério Público Federal já instaurou inquérito civil público para investigar a denúncia.

Outro ponto duvidoso no processo de privatização é a tão decantada concorrência, que substituiria o monopólio estatal. A ALL, que em inglês significa "tudo", está presente em todas as malhas nacionais, sendo uma transnacional que opera também na Argentina. Segundo o líder ferroviário Rogério Centofanti, "entre os operadores, é um espanto ver como são cooperativas umas com as outras e a constante presença da ALL". E ele complementa: "Um investe no trecho do outro, cede máquina, equipamento e funcionários, que recebem ordem de outra empresa, quase sempre da ALL. O funcionário já não sabe a quem obedecer. As operadoras têm o mesmo comportamento, propostas, acordos coletivos idênticos etc." O atencioso leitor, melhor informado, poderia nos esclarecer?

Vicente de P. B. Bicudo
Arquiteto e engenheiro de Transportes

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