PRIVATIZAÇÃO DA CESP: GOLPE 
FATAL CONTRA OS PAULISTAS

A venda da Cesp (Companhia Energética de São Paulo), última das três geradoras em que foi dividida a antiga estatal — além da distribuidora Elektro e da transmissora CTEEP — está prevista para o próximo dia 6 de dezembro, em leilão na Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo). A medida é não só desnecessária, como equivocada, garante o professor da pós-graduação do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, Ildo Luís Sauer. Co-autor do livro "A privatização da Cesp – Conseqüências e Alternativas", ele aponta diversos erros nos cálculos que fecharam o preço mínimo da companhia em R$ 1,7 bilhão (para 38,7% do seu capital social) e várias alternativas à perda de controle da geradora pelo Estado, o que poderá comprometer o desenvolvimento econômico, a qualidade de vida das pessoas e ações de inclusão social.

A parte da Cesp que o Governo pretende levar a leilão em dezembro, também conhecida como Cesp Paraná, é responsável pela maior parte da geração no Estado de São Paulo – 6.622 MW de capacidade instalada, que chegarão a 7.730 MW, quando a Usina Porto Primavera estiver concluída. De acordo com Sauer, o preço calculado não leva em conta esse potencial e utiliza previsões desatualizadas para o valor da energia a ser cobrado. "Os contratos iniciais de fornecimento da energia gerada, que estão atualmente em torno de R$ 35/MWh, seriam liberados progressivamente entre 2003 e 2006. Contudo, sob pressão do mercado, tenderão a alinhar-se aos custos marginais situados hoje acima de R$ 75/MWh." Diante disso, ele calcula que, descontadas as dívidas, o preço da Cesp ficaria entre R$ 15 bilhões e R$ 18 bi. Além disso, a empresa tem ativos em caixa e a receber que podem chegar a R$ 2,8 bi, se forem considerados créditos como os referentes à venda de ações da CPFL ou pendências judiciais (veja Quadro 1).


A mágica do barateamento

Confrontando-se com números e fatos, o Governo conseguiu chegar ao preço mínimo previsto no edital de privatização, utilizando um exercício de fluxo de caixa descontado, baseado em premissas, hipóteses, previsões e expectativas com sustentação profundamente questionável. A primeira delas é exatamente o preço da energia, que deve subir bruscamente após a privatização.

Um modelo simplificado permite visualizar as conseqüências potenciais. Se, por hipótese, toda a energia gerada anualmente pela Cesp fosse vendida por R$ 75/MWh, o faturamento anual superaria os R$ 2,5 bilhões, e, descontados os custos de operação e manutenção e despesas correntes, resultaria num fluxo anual líquido da ordem de R$ 2 bi. Esse, com tal magnitude, por um período de 30 anos (da concessão), descontada uma taxa de 10% ao ano, culminaria num valor agregado líquido da ordem de R$ 20 bilhões. Descontadas as dívidas, o resultado para o valor da Cesp seria de cerca de R$ 15 bi. A parcela vendida da Cesp, mesmo sob a precária ótica do fluxo de caixa descontado, ficaria próxima dos R$ 5,5 bi, três vezes superior ao preço mínimo anunciado.


CONTRADIÇÕES

Mesmo informações fornecidas durante audiência pública realizada em 6 de setembro último e as constantes no balanço da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), de 30 de junho deste ano, apontam para a inadequação do preço mínimo da Cesp. A dívida da empresa totaliza R$ 6,8 bilhões, sendo 15% em moeda nacional e 85% em estrangeira. O balanço demonstra ainda um ativo permanente de R$ 17,1 bilhões e total de R$ 20 bi. O patrimônio líquido descrito é de R$ 11,1 bi.

Outro ponto a ser considerado nessa questão é o custo do KW. Segundo levantamentos do SEESP, com base no preço mínimo de R$ 1,7 bi e considerando os ativos realizáveis e a dívida estimada, o valor para a venda seria de R$ 6,8 bilhões. Pela conta, a empresa está sendo comercializada, portanto, a US$ 564 por KW da potência instalada atual de 6.622 MW (considerado o câmbio, em valores aproximados e arredondados de US$ 1,00 = R$ 1,822) ou a US$ 454 por KW da potência instalada final de 7.730MW. Trata-se de preço irrisório, pois é corrente, na área de implantação de empreendimentos no setor elétrico que o valor de referência para construção de uma nova usina hidrelétrica se situe por volta de US$ 1.400 por KW instalado.

A informação é confirmada por dados oficiais da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), que divulgou um programa indicativo de licitações de novas concessões de 19 hidrelétricas, que totalizam 3.452MW de potência instalada e investimentos da ordem de US$ 4,7 milhões. Isso conduz a um valor médio de US$ 1.385 por KW instalado, que ainda não inclui os juros durante o período de construção, que pode atingir cinco anos.

Considerado esse valor médio oficial como correto, a Cesp deveria ter sido avaliada com preço mínimo de R$ 6,5 bilhões (veja Quadro 2).


NEGÓCIO DA CHINA

Quem comprar a Cesp, além de levar uma geradora de energia com enorme potencial, mercado cativo e promessas de grandes lucros por um preço ínfimo, ainda terá garantias do Estado, que continuará como avalista de boa parte da dívida da empresa, mesmo perdendo seu controle acionário. A valores atualizados em junho de 2000, o Governo responsabiliza-se por R$ 300 milhões em moeda nacional e mais R$ 3, 9 bilhões em moeda estrangeira, além de US$ 300 milhões, constantes de contrato firmado em 1997 com Bankers Trust e Japan Bankers Trust, com juros de 9,125% ao ano, até 26 de junho de 2002, 9,625% ao ano até o vencimento final, em 26 de junho de 2007.

O Estado fica, portanto, como avalista de quase R$ 5 bilhões, para receber R$ 1,7 bi. Como contragarantia está exigindo que o novo controlador assuma uma de três condições: apresente fiança bancária, caucione ações ou assine contrato com direitos emergentes das usinas de Ilha Solteira e Três Irmãos. Em outras palavras, se a Cesp não pagar as dívidas, o Estado o faz e recorre à contragarantia oferecida, o que pode levar anos para recuperar o dinheiro de volta.

Para completar, resta ainda um "esquecimento". Junto com a Cesp vão para a iniciativa privada, evidentemente, as usinas de Ilha Solteira, Três Irmãos, Jupiá, Porto Primavera, Jaguari e Paraibuna. No valor total avaliado para a Cesp de R$ 19,1 bilhões, a Usina de Porto Primavera está contribuindo com R$ 3,6 bilhões, apesar de já ter custado R$ 12 bi à empresa, conforme consta da contabilidade da companhia. O prejuízo deve-se à demora na construção da obra que levou muito mais tempo que o previsto. Contudo, segundo o professor Ildo Sauer, a responsabilidade por isso não é de São Paulo. O DNAEE (Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica) autorizou o início das obras, seus atrasos e investimento e todo o processo atendeu o planejamento, fiscalização e regulação do setor elétrico brasileiro, a cargo do Governo Federal. A legislação da época previa a recuperação de todos os custos por intermédio de tarifas. Da mesma forma, a viabilização do Canal Pereira Barreto, obra essencial à Hidrovia Tietê Paraná, decorreu de um acordo firmado com o Governo Federal, que prometeu aportes superiores a US$ 1 bilhão, jamais pagos ao contribuinte paulista. "A Cesp e o Governo de São Paulo têm a obrigação de buscar uma solução negociada ou judicial para garantir os interesses do Estado. Contudo, no atual modelo de privatização, eventuais ressarcimentos beneficiarão os novos controladores", alertou Sauer. Ou seja, quem comprar ainda pode ganhar um bom dinheiro pelos investimentos feitos pelo Estado.

QUADRO 1
CONDIÇÕES FINANCEIRAS DA CESP

Em 30/6/2000 R$ milhões
Caixa/aplicações 303,2
Venda de ações CPFL  172,1
A receber de clientes 230,3
A receber Secr. Fazenda 331,2
Bloqueio em dinheiro (ação QueirozPetro / Paulipetro) 675,2
Créditos I.Renda/Contrib.Social(compensável em lucros futuros) 536,0
Ações CPFL/FINAM/outros 61,2
Bloqueio em dinheiro para débitos reconhecidos PIS/COFINS 369,4
Outros ativos curto/longo prazo 140,1
TOTAL de ATIVOS realizáveis 2.818,7

QUADRO 2
CÁLCULO DO VALOR DA EMPRESA, LEVANDO EM 
CONTA A POTÊNCIA INSTALADA

Potência instalada (adotada média) 7558,67 MW
Valor da Cesp estimado R$ 19,1 bilhões
Dívida trazida a valor presente (estimada) (R$ 5 bi)
Realizáveis com base no balanço R$ 2,7 bilhões
Valor da Cesp estimado, base para a venda R$ 16,8 bilhões
Valor da Cesp (38,66 %) – Preço Mínimo R$ 6,5 bilhões

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