TRANSPORTE PÚBLICO DEFICITÁRIO E 4,9 MILHÕES 
DE AUTOMÓVEIS GERAM O CAOS NA CAPITAL

Terceiro maior orçamento do País, São Paulo enfrenta dificuldades proporcionais à sua grandiosidade. O diagnóstico é do professor e chefe do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da USP, Nicolau Fares Gualda: "São Paulo vive uma situação anormal quando comparada a outras grandes cidades do mundo. Tem perto de 4,9 milhões de carros e quase 10 milhões de habitantes." De acordo com Rogério Belda, vice-presidente da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos), na problemática do transporte, a Capital supera os demais municípios brasileiros. "Nenhum deles tem a proporção de 50% de viagens diárias feitas por automóvel encontrada aqui", afirmou. O cenário se agrava ao se verificar que da metade realizada via coletivo, 35% é efetuada sobre pneus e apenas 15% sobre trilhos, por intermédio do metrô e trem, sistemas de alta capacidade que permitem fluxos superiores a 50 mil passageiros por hora e destino. E para complicar, os ônibus acabam tendo que disputar espaço com o automóvel. "Dos 3 mil quilômetros por onde circulam, apenas 160km tem algum tipo de prioridade, como corredores e faixas exclusivas, em relação ao veículo particular", observou Alberto Fasanaro Lauletta, gerente geral de Planejamento do Sistema da SPTrans. Em decorrência disso, ainda na sua análise, a frota atual, embora suficiente – em torno de 10.800 ônibus municipais –, que transporta cerca de 4 milhões de pessoas/dia, por ser muito vagarosa, não consegue atender adequadamente a demanda. "Sua velocidade média comercial está em torno de 14km/h."

A deficiência no sistema, conforme ele, possibilitou o surgimento das lotações, que cresceram desordenadamente, e hoje é preciso encontrar uma solução para o problema. Alguns falam em regulamentação, outros em fiscalização rigorosa. Em Santos, a administração municipal conseguiu acabar com os clandestinos, ao privatizar a área operacional e exigir das empresas a modernização e ampliação da frota. E reativou a modalidade de transporte seletivo, com microônibus que atendem vários bairros, cuja tarifa e serviço são diferenciados, para competir com o automóvel. O Fórum do ABC, composto por sete cidades da Grande São Paulo, assume igual posição contrária aos clandestinos, segundo Marcos Bicalho, superintendente da EPT (Empresa Pública de Transporte de Santo André). De acordo com ele, no município, a atual gestão também encontrou na privatização da operação uma forma de renovar e ampliar sua frota.


SOLUÇÃO É INTEGRAR
Na Capital, a principal conseqüência da ineficiência do sistema é o congestionamento diário de mais de 100km, que resulta em 30% de deseconomia, conforme dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Para Belda, portanto, a política de transporte público deve estar associada à de trânsito. O resultado dessa combinação pode ser observado no município de Santos, cujo gerenciamento do sistema foi transferido para a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) local a partir de 1997. Também em Ribeirão Preto a administração é conjunta, feita pela Transerp.

Conforme o professor Gualda, no caso de São Paulo, é fundamental ainda reestruturar a ocupação urbana de modo que as pessoas dependam menos de se deslocar para trabalhar. "São medidas que precisam ser implementadas, como prioridade ao transporte coletivo, com a criação de faixas segregadas, expansão e melhoria do sistema sobre trilhos", complementou Belda. Quanto a incrementar a malha do metrô – atualmente com 51km de extensão e com a promessa de chegar aos 110km concluídos no final da gestão Covas –, na visão do secretário dos Transportes Metropolitanos, Cláudio de Senna Frederico, uma das dificuldades encontradas não está na carência de recursos do Estado, cuja previsão para este ano de investimento em metrô e trem está em torno de R$ 1,9 bilhão. Está na falta de participação da Prefeitura e do Governo Federal. Essa combinação de ações está prevista no Pitu 2020 (Plano Integrado de Transportes Urbanos), que apresenta soluções para em 20 anos São Paulo ter uma rede de transporte público em nível semelhante à encontrada em grandes cidades do mundo. Conforme Senna, ao menos, não irão se repetir fenômenos de ter dois meios de transporte realizando percurso idêntico, em vez de complementarem-se. Com essa filosofia, o Estado modificou o trajeto da extensão da linha verde do metrô (Paulista), inicialmente até Vila Prudente e que agora irá para São Caetano do Sul, para não se confrontar com o Fura-fila. De acordo com Lauletta, tal desvio levou em consideração a demanda da região entre Sacomã e Sapopemba, mais compatível com um sistema de média capacidade, como o VLP (Veículo Leve sobre Pneus). Entretanto, tudo indica que a decisão não beneficiará a população local, que continuará desabastecida. Até o momento, segundo a assessoria de imprensa da SPTrans, apenas 20% das obras do Fura-fila, cuja extensão é de 8,5km, foram concluídas, tendo sido aplicado até janeiro um montante de R$ 25 milhões. Sua inauguração foi adiada inúmeras vezes, e até o fechamento desta edição, sua continuidade era incerta. Mesmo os prefeituráveis admitem não estar convictos sobre o que fazer com a prometida alternativa ao transporte nas últimas eleições, já apelidada de "furo n’água" por algumas autoridades no assunto.

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