O FRACASSO DAS COMEMORAÇÕES

Por que fracassaram as comemorações dos 500 anos do descobrimento? Por que produziram as cenas chocantes de repressão e intolerância que vimos pela televisão? Por que deixaram para trás, como rastros incriminadores, a sensação de inutilidade, a incompetência, o acirramento dos ânimos, a Nau Capitânia que não navegou e a inglória demissão do alegre ministro (ir)responsável pelos bingos? A culpa individida de todos esses malefícios recai sobre a irresponsabilidade, inconseqüência e inabilidade do Governo.

Ficou faltando uma visão mais abrangente de nossa realidade, um espírito generoso para acolher – verdadeiramente – todas as diversidades de nosso povo e de nosso País, ficou faltando futuro. Sobrou desorganização, marketing televisivo, truculência, quase sossobrou a famosa Nau Capitânia...

O que deveríamos comemorar nesses 500 anos? A construção de um país enorme, de um povo imenso, de uma linguagem e de uma nação. Mas também, para eliminar suas causas, deveria ser lembrado o passado nefasto da exterminação dos índios, da escravização dos negros, da exploração desenfreada, da miséria e da ignorância.

Os sucessivos ciclos produtivos ao longo de nossa história, que se deslocaram geograficamente pelo nosso território sempre atrelados às necessidades dos poderosos do mundo, foram as motivações materiais maiores de nossa unidade nacional, mas, ao mesmo tempo, sacrificaram gerações e gerações de trabalhadores (escravos, livres, imigrantes), concentraram renda de uma maneira criminosa e deixaram, passados 500 anos, sem solução inúmeros problemas que pesam como uma hipoteca.

Comemoramos os 500 anos em um período em que a economia está estagnada, o desemprego muito alto, a concentração de renda absurda: um rico tem a renda de 50 pobres!

Marcelo Paiva Abreu, mistura de economista e editorialista do jornal O Estado de São Paulo relembra que depois da abolição da escravatura até 1980 a economia brasileira teve um ritmo de crescimento somente superado pelo do Japão e da Finlândia; no entanto, as duas últimas décadas tiveram crescimento quase vegetativo. Sem crescimento com distribuição de renda é muito difícil comemorar qualquer coisa.

Na construção de nossa cidadania, a inteligência sempre esteve presente e desempenhou papel capital. Na galeria dos heróis brasileiros, contrapostos ao mítico Macunaíma, alinham-se homens e mulheres do progresso, da produção, da educação, entre esses (e essas) inúmeros engenheiros, técnicos e cientistas. Muitos deles (e delas) aliaram às suas qualidades profissionais o apego às grandes causas democráticas de nossa história e de nosso povo. Deveriam ter sido lembrados e comemorados, como protagonistas e testemunhas desses nossos 500 anos.

João Guilherme Vargas Neto
Assessor Sindical do SEESP

“NAVEGAR É PRECISO”

Lamentavelmente, a máxima cunhada pelo infante D. Henrique, quando exigia que seus navegadores enfrentassem a morte para garantir a conquista lusitana do mundo, não valeu para a réplica da Nau Capitânia de Cabral. Sob coordenação do Clube Naval do Rio de Janeiro, o navio levou um ano e meio para ser construído, consumiu R$ 3 milhões e deveria ser um dos marcos das comemorações dos 500 anos do Brasil (JE 146). Contudo, o barco, no qual foram utilizados os modernos recursos da Engenharia Naval, não conseguiu navegar o curto percurso entre a Base Naval de Aratu (BA) e a praia da Coroa Vermelha, em Porto Seguro. Embora os responsáveis tenham divulgado um cronograma que incluía os testes necessários, isso não foi feito a contento e a nau teve o mastro central danificado, seus motores não suportaram a pressão e chegou a ficar à deriva até ser resgatada pela Guarda Costeira. Para piorar a situação dos brasileiros, a réplica portuguesa "Boa Esperança" fez todo o percurso de seu país de origem ao Brasil sem problemas e chegou ao Rio a tempo para a parada naval comemorativa dos 500 anos.

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