ESPECIALISTAS QUESTIONAM IMPACTOS DO RODOANEL

Concebido com o objetivo de desafogar o tráfego de caminhões e favorecer o fluxo de cargas e veículos nas principais vias da Grande São Paulo, o rodoanel terá aproximadamente 160km de extensão total e interligará os grandes corredores de acesso à metrópole. Suas obras foram divididas em três etapas e o Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), responsável pelo empreendimento, realizou as licitações para a primeira, referente ao Trecho Oeste, em construção. Com término previsto para meados de 2001, esse promete beneficiar diretamente os municípios de Embu, Cotia, Osasco, Carapicuíba, Barueri, Santana do Parnaíba e São Paulo. Segundo informou a assessoria de imprensa da empresa, a escolha dessa área para o início das obras do anel viário obedeceu a critérios técnicos. Entre outras prioridades, levou em conta que das dez rodovias de acesso à Região Metropolitana de São Paulo, serão interligadas por esse trecho metade – Régis Bittencourt, Raposo Tavares, Castelo Branco, Anhangüera, Bandeirantes, além da Estrada Velha de Campinas –, as quais absorvem 44,2% dos 544 mil veículos que passam diariamente por elas, sendo 112 mil caminhões. Ainda conforme a assessoria, em termos de circulação de mercadorias, entram e saem da RMSP 243,5 milhões de toneladas/ano, e o Trecho Oeste responde por 47,8% dessas cargas.

Contudo, para a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, o que motivou o governo a optar por essa região para principiar o empreendimento foi o fato de outros trechos serem mais polêmicos do ponto de vista sócio-ambiental, como o Norte e o Sul, que abrangem áreas de proteção de mananciais. João Roberto Rodrigues, diretor do Daia (Departamento de Avaliação de Impacto Ambiental) da SMA/SP (Secretaria de Estado do Meio Ambiente), confirmou: "Estrategicamente, decidiu-se começar pelo Oeste, que não tem grandes problemas, e interliga cinco rodovias. Porque se fôssemos estudar esses mais complicados, estaríamos ainda hoje discutindo." Ele enfatizou: "O rodoanel não é uma obra una, cada segmento dele tem uma importância. Walter Abrahão Nimir, diretor de Engenharia do Dersa, endossou: "Se fosse feito somente o Oeste, seria auto-suficiente."

Anunciado por ele como "obra social", vêm contudo sendo questionadas por especialistas as conseqüências de sua realização. O Ministério Público Federal, através da portaria nº 7, de 16 de dezembro de 1999, assinada pela procuradora da República em São Paulo, Maria Luiza Grabner, instaurou inquérito civil para apurá-las, bem como "acompanhar o procedimento de licenciamento do rodoanel metropolitano perante a Secretaria do Meio Ambiente, verificando o efetivo cumprimento pelo Dersa das medidas mitigatórias e reparadoras de danos ao meio ambiente e às populações locais propostas no EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental)". No documento, uma das constatações feitas é que tal análise, elaborada para o projeto, "apenas englobou o Trecho Oeste do empreendimento, com 31,6km de extensão", e portanto, "não permite a avaliação da amplitude dos impactos ambientais gerados pela totalidade da obra, bem como impede estudo apropriado de alternativas de traçados". Segundo explicou Nimir, do Dersa, embora o EIA/Rima relacione-se somente a esse trecho, foi feito um pré-estudo global.

Preocupa o deputado estadual Carlos Zarattini (PT-SP) outro aspecto. "O rodoanel vai mudar o uso de imensas áreas verdes ou habitacionais que estão no entorno da cidade de São Paulo e se forem próximas a um acesso do anel viário, pode haver impactos ambientais, de transferência de fontes de poluição, e econômicos, na medida em que há valorização e desvalorização de terrenos. Nesse contexto, fala-se em especulação imobiliária na localidade, o que causa prejuízo a boa parte da população que não terá mais condições de adquirir sua moradia." Sobre o assunto, Rodrigues professou: "O cuidado que se deve ter é fazer termos de referência complementares ao EIA/Rima para bloquear a expansão urbana em determinadas áreas. É preciso ver onde vão ser colocadas as entradas e saídas do rodoanel, para evitar aglomeração." Conforme garantiu o diretor de Engenharia do Dersa, isso não vai acontecer, porque o anel viário só tem ingresso em pontos fixos, nas estradas.

Ainda acerca do tema, o professor de Direito Público e membro da Comissão de Meio Ambiente do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Toshio Mukai, questiona se foram consideradas as normas urbanísticas de cada município sobre os quais o anel viário irá incidir. "Tenho dúvidas quanto à legalidade desse projeto. No meu entender, ele deveria ter sido aprovado por lei para afastar quaisquer restrições", complementou. De acordo com Nimir, com o objetivo de impedir a ocorrência de contratempos dessa ordem, o Dersa está planejando os entornos para haver uma utilização racional do solo.


Impactos ambientais
Quanto à eventual transferência de fontes de poluição, José Heitor do Amaral Gurgel, coordenador do Grupo Técnico de Licenciamento de Rodovias da SMA/SP (Secretaria de Estado do Meio Ambiente), acredita que esse não seja aspecto relevante. "É preferível aliviar parte do tráfego e descongestionar a marginal, pois hoje o que se polui com congestionamento é muito pior do que isso."

Também não são significativas, na análise do diretor do Daia, as alterações climáticas na região decorrentes do empreendimento, outra preocupação da procuradora da República. Ainda com relação aos impactos ambientais, ela afirmou, no documento, que "será desmatada, para a implantação do Trecho Oeste, uma área total de 379.410 metros quadrados, incluindo parte da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo, considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco". Nem Dersa, nem SMA/SP desmentem ou confirmam a informação. Apenas asseguram haver medidas compensatórias para minimizar tais impactos. "A empresa apresentou à Secretaria do Meio Ambiente um Relatório para a Obtenção da Licença prevendo todos os impactos ambientais na construção do rodoanel", garantiu Gurgel. Segundo ele, foram feitas 96 exigências, que vão desde o reflorestamento, monitoramento de água e da qualidade do ar, compra de viatura para o Instituto Florestal apagar incêndio, doação de equipamentos pela Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), planos de cargas perigosas, de reassentamento e realocação de favelas em conjunto com a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), até a criação de um órgão no Dersa para cuidar especificamente dessa questão. "Estamos fiscalizando seu andamento e só vamos conceder a licença de operação se tudo estiver sendo cumprido. Se percebermos aumento exagerado de ruído ou poluição, vamos tomar providências, como solicitar a inspeção veicular e o uso de filtros", explicitou.


Reassentamentos
O diretor de Engenharia do Dersa garantiu que a empresa está em dia com suas obrigações, tendo, inclusive, uma agência reguladora instalada em seu edifício-sede. "O problema maior são os reassentamentos. Temos cerca de 2 mil famílias cadastradas. Aos migrantes que quiserem voltar para o seu estado, damos todo o apoio. Estamos também pagando aluguéis às pessoas e quando não houver mais perigo, elas retornam. E algumas casas foram desapropriadas, o que, embora seja uma questão complicada, na maioria das vezes, chegamos a um consenso", relatou.

Fala-se em 100 mil famílias residentes nas áreas lindeiras ao Trecho Oeste, número não-confirmado pelo Dersa, que, contudo, não apresentou outro. Na visão de Raquel Rolnik, não é só retirá-las e realocá-las. "Sem dúvida, é preciso equacionar a questão da carga, e há que ter uma opção de traçados, mas é necessário considerar o impacto sócio-ambiental da proposta. Temos uma produção perversa de periferias e a minha pergunta é: ‘Como o rodoanel vai influir nessa situação?’"

Com referência a isso, a procuradora Maria Luiza Grabner declarou, em seu documento, não ter sido realizado no EIA "nenhum estudo antropológico mais aprofundado acerca do impacto provocado nas populações locais". Nimir indignou-se: "Muito pelo contrário. Essa obra tem um fundo social muito grande e trará frutos aos mais desprotegidos como outras não o fizeram."


Projeto polêmico
O empreendimento total está estimado, conforme ele, em R$ 3,4 bilhões. A previsão é que metade desse montante seja destinada pelo Estado e os outros 50% divididos igualmente entre União e Município. Contudo, de acordo com ele, a Prefeitura de São Paulo até agora não enviou sua parte, e nem é esperado que o faça nessa gestão. O Trecho Oeste está avaliado em R$ 780 milhões.

Conforme lembrou José Roberto, a idéia de um rodoanel metropolitano não é nova. "Vem sendo discutida desde 1950 e acho que dificilmente alguém seja contra", afirmou, referindo-se à sua finalidade precípua. Ninguém discute que, do ponto de vista de melhorias à circulação, o anel viário é, no mínimo, interessante. Na ótica de Zarattini, o maior problema é que "infelizmente no brasil nunca se tem uma análise complexa do todo. Estuda-se sistema de transportes, mas não seus impactos de forma mais ampla". Raquel Rolnik concorda: "Acredito haver toda uma geração de engenheiros com outra perspectiva, totalmente diferente, e estamos avançando nisso no país. Mas a nossa prática de obras viárias é marcada por uma lógica a posteriori. Faz-se a obra em função das oportunidades econômicas que ela pode gerar." Para Nimir, essa visão está ultrapassada.

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