PROMETIDA COMO PANACÉIA NACIONAL, PRIVATIZAÇÃO
TRANSFORMA-SE EM PESADELO DOS BRASILEIROS

 

Criado em 1991, o PND (Programa Nacional de Desestatização) tinha o objetivo de colocar o Brasil na rota da modernidade. O discurso corrente desde então é de crítica à ineficiência do serviço público e à corrupção nas estatais. Com a venda do patrimônio, o Brasil alcançaria níveis de excelência em diversas áreas e, melhor, conseguiria receita para rechear os cofres públicos. Passados oito anos e três presidentes a situação é bem diferente.

A população, antes entusiasta da privatização, movida pela propaganda, está insatisfeita com aumentos de tarifas,  transtornos causados pelos serviços de telefonia e energia elétrica, excesso e encarecimento de pedágios, interrupção de transporte ferroviário de passageiros de longa distância. O grande temor é o que pode ocorrer caso o saneamento e abastecimento de água vá para a iniciativa privada.

 

Desemprego

Como não poderia deixar de ser a queda na qualidade de serviços está ligada à demissão de milhares de profissionais das antigas estatais, o que serviu também para agravar os já altos índices de desemprego do País. É o que aconteceu por exemplo na Telefônica, que assumiu a telefonia fixa em São Paulo. Segundo o diretor do SEESP, Félix Wakrat, a empresa vem contratando novos funcionários e dispensando os antigos para pagar salários menores. Até agora, cerca de 5 mil pessoas foram cortadas, entre as quais 100 engenheiros.

Na Cesp, a situação não é diferente. Dos 20 mil empregados em 1995, restam hoje apenas 4 mil. Parte disso foi transferida para a Elektro, que ficou com a área de distribuição privatizada, o restante foi sendo demitido ao longo do tempo enquanto o governo preparava a venda da companhia. Contudo, o processo de dispensas segue até hoje no setor privado, de acordo com o vice-presidente do SEESP, Murilo Celso Campos Pinheiro. Na sua opinião, o problema deveria ter sido solucionado no edital de privatização, que deveria ter estabelecido  a manutenção do nível de emprego. Como isso não foi feito, também fica em queda vertiginosa a qualidade e, alertou Pinheiro, não está descartado risco de novo blecaute. Ainda na área elétrica, houve o mesmo processo na CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz), privatizada desde1997, onde dos antigos 7 mil empregados restam apenas 4.560. E está em curso  novo Programa de Demissão Incentivada para afastar 100 empregados. “Pressionados, muitos acabam aderindo”,  lamentou Rubens Patrão Filho, diretor do SEESP.  “Só visam o lucro e, para reduzir custos, a maneira encontrada é terceirizar e acabar com os cargos, reclassificar as tabelas salariais. E nunca dizem se será a última mudança”, desabafou Patrão.

O quadro de funcionários da Cosipa, privatizada desde 1993, foi reduzido de 13 mil funcionários para os atuais 5.700, depois de sucessivos Planos de Demissão Voluntária ou incentivos de aposentadorias. Para se ter uma idéia, em 1998, com a desativação de uma das linhas da Cosipa, 2.300 trabalhadores foram forçados à aposentadoria. Os reflexos dessa política ficam claros no acúmulo de trabalho para os que ficaram, que também sofreram redução de benefícios. A antiga Fepasa, transformada em Malha Paulista da RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A), tornou-se a Ferroban após privatizada. O volume da carga da empresa continua aquém da capacidade, portanto não atingindo os níveis estabelecidos quando da concessão. A baixa atividade não impediu, contudo, a média de dois acidentes diários em setembro, evidenciando problemas na manutenção. O transporte de passageiros de longa distância, feito antigamente pela Fepasa, foi paralisado quando da privatização e retornado apenas no mês passado, com horários e dias alternados. O quadro atual de funcionários reduziu-se para 3.500. A grande batalha agora é evitar que a história se repita na Sabesp, empresa ligada diretamente à saúde pública. Com sucessivos resultados financeiros positivos, os antigos argumentos da ineficência pública não servem para o caso. Ao que tudo indica, vantajoso o negócio seria para o comprador, que teria uma empresa saudável com um ativo de R$ 14 bilhões e receita  anual de cerca de R$ 3 bilhões. 

 

Caixa em baixa

Para piorar, o dinheiro obtido com a venda também não resolveu os problemas de caixa do governo. Até agora, em todo o País, foram vendidas 121 empresas federais e estaduais, arrecadando-se US$ 77,2 bilhões e transferin­do-se mais US$ 17,2 bilhões em dívidas públi­cas para o setor privado. Porém, na avaliação do economista Luiz Gonzaga de Mello Belluzo, tudo isso foi em vão. “As estatais foram vendidas para se conseguir dólar rapidamente para fechar o balanço de pagamento. Agora, descobriram que a concentração excessiva da desnacionaliza­ção no setor de serviços acaba gerando tensão sobre o mesmo balanço de pagamento, porque essas empresas não geram dólar, mas remetem lucros para fora”, criticou. Ou seja, o que o governo fez foi sanear as estatais, expurgar suas dívidas, que foram absorvidas pelo setor público, aumentar as tarifas antes de vendê-las e privatizar financiando as empresas estrangeiras, através do BNDES.

O pagamento da dívida interna com o dinheiro da privatização, é outra justificativa que cai por terra, segundo o economista. “Com o modelo adotado, abatem-se os débitos num primeiro momento e no seguinte vira dívida pública novamente, já que o prejuízo ficou para o governo. Por isso, ao invés de diminuir ela cresceu”, concluiu.

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