GLOBALIZAÇÃO E CRISE TRANSFORMAM PERFIL DO ENGENHEIRO

 

Fenômenos como globalização, privatizações e crise econômica atingiram em cheio a atividade profissional do engenheiro, cujas funções, responsabilidades e qualificações estão bem diferentes do que eram no início da década. "Até a abertura de mercado, que teve início com o governo Collor, a modernização não era uma necessidade extrema. Essa atualização, que envolve informática, robotização e automação de processos, tem o objetivo de competir no mercado internacional. Pelo mesmo motivo, mudou a forma de gerenciar: hoje, há um sistema mais participativo, o que requer maior qualificação do empregado, exigindo um perfil de engenheiro muito mais amplo", atestou o gerente de Engenharia Industrial da Volkswagen, Sérgio Baptista. O diretor da Siemens Ltda., Jairo Martins da Silva, responsável pela Siemens Business Services, vai mais longe: "Toda empresa, hoje, enfrenta três problemas: qualidade, prazos e custo. Com essa briga por ganho de produtividade, exige-se muito mais do engenheiro. Numa indústria, ele não pode reinventar a roda, é preciso aproveitar o que existe e ser um integrador de informações, soluções e pessoas, além de saber interpretar os números e tomar decisões a partir deles", ponderou.

A tese é confirmada por Baptista, da Volks, para quem, há cada vez menos engenheiros atuando em desenvolvimento, já que o avanço em softwares utilizados nessa área reduz a necessidade de cérebros humanos. Em compensação, a média liderança das empresas, na produção e manutenção, está sendo tomada pela categoria, que atualmente mais administra que projeta.

Crise

Além de correr atrás de aptidões e abraçar novas responsabilidades, o engenheiro precisa disputar arduamente o seu lugar no mercado de trabalho. Embora a automatização atinja mais diretamente a mão-de-obra menos qualificada, o engenheiro também perdeu postos com ela: "Hoje, requerem-se menos engenheiros, mas com alto grau de especialização na produção em si", afirmou o diretor da Siemens.

Permanecer no mercado de trabalho nesse cenário torna-se uma tarefa difícil, especialmente diante da crise econômica que assola o País nestes anos 90. Para Waldir José de Quadros, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), esse é o principal determinante para a revolução que se instalou na vida profissional do engenheiro. "Na verdade, sofremos aqui um processo de desindustrialização causado pela abertura de mercado e as empresas, na grande maioria, não estão se modernizando, mas reestruturando custos com o corte de pessoal", constatou. Segundo Quadros, as mudanças têm sido determinadas pela crise, muito mais que pelas transformações tecnológicas.

De acordo com o professor, existem casos específicos nos quais está havendo realmente modernização, como nas telecomunicações. "É uma situação diferenciada porque há investimento nesse setor no mundo todo e aqui houve mudanças significativas em função da privatização", relatou Quadros. "Hoje, nós temos grande carência de profissionais qualificados. Com a entrada das novas empresas, esse pessoal começou a ser disputado a preço de ouro", reforçou o gerente corporativo da área de Desenvolvimento Organizacional da Ericsson do Brasil, Ricardo Cambraia. Contudo, a abundância não deve durar para sempre, advertiu Quadros: "Isso é localizado, em dois anos o mercado estará ocupado, então começará o arrocho verificado no restante da economia", finalizou.

Invasão de mercado

Para piorar, mesmo durante esse período de prosperidade nas telecomunicações há motivos para os engenheiros se preocuparem, já que o mercado de trabalho não lhes é cativo. "Fizemos uma consulta com o pessoal de Recursos Humanos dessas empresas e, para eles, o melhor perfil desse profissional é o do oriundo da informática que adquire as aptidões básicas do engenheiro e não o contrário", constatou Quadros. Assim, nem mesmo nesse setor a corrida por um lugar ao sol é menos cansativa.

Outros que também disputam vagas comumente reservadas aos engenheiros são os administradores e economistas. Se a categoria vem dia após dia ocupando espaço na área financeira, as fábricas também estão sendo tomadas por gente que antes nem chegava perto delas. "Hoje, como os processos são muito automatizados, o diretor de fábrica pode até ser um administrador, responsável pelos processos fabris e assuntos financeiros, tendo apenas um consultor com formação técnica", informou o diretor da Siemens, Jairo Martins.

Para além das fronteiras indefinidas, o risco de invasão ao mercado de trabalho do engenheiro reside na entrada de profissionais estrangeiros no País. Uma porta aberta para isso foi a privatização do Sistema Telebrás, cujas operadoras foram compradas por companhias estrangeiras como a Telefónica, que ficou com a telefonia fixa de São Paulo. De acordo com o diretor do SEESP, Felix Wakrat, em dezembro de 1998, 80 engenheiros foram demitidos num plano de demissão incentivada. Quando houve a privatização, cerca de 100 profissionais vieram da Espanha (e de outros países onde a companhia está instalada) para ocupar cargos de gerência e diretoria. "Alguns deles com certeza são engenheiros e não estão autorizados a exercer a função no Brasil. A mesma situação deve estar ocorrendo na Embratel e na Telesp Celular", revelou. Wakrat ressaltou ainda que, a reboque das operadoras, vieram para o País seus fornecedores e parceiros tradicionais, o que agravou a situação. "Estamos sugerindo à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) a proibição da atuação de profissionais estrangeiros sem os devidos registros. Está havendo uma liberalidade muito grande", confirmou Rui Leme Alvarenga, vice-presidente da Abeprest (Associação Brasileira de Empresas Prestadoras de Serviços em Telecomunicações).

Fiscalização

Exatamente aí deveria entrar a fiscalização do Crea-SP (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia). De acordo com Esdras Magalhães dos Santos Filho, ex-presidente do SEESP e candidato à Presidência do Conselho na eleição de 10 de novembro próximo, por meio dessa fiscalização, que não vem sendo exercida, é que a instituição poderia coibir abusos e proteger o mercado de trabalho do brasileiro. "E a invasão só começou, porque o processo vai continuar e piorar, com o trânsito livre no Mercosul, a partir de 2000, e na Alca, até 2005. É necessário, inclusive, que haja participação do nosso conselho nas negociações desse tema", afirmou

Na avaliação de Esdras, o assunto não é o único que escapa às ação e reflexão do Crea-SP. "Também está ausente das mudanças ocorridas no mundo do trabalho. Primeiro, não acompanhou a passagem da atividade autônoma individual para a industrial e, hoje, está perdendo a evolução para a chamada sociedade pós-industrial. Precisamos tirá-lo da retaguarda e colocá-lo na vanguarda dos acontecimentos, transformá-lo num parceiro dos profissionais e da atividade produtiva", avaliou. Outra grande lacuna na atuação do Crea-SP, segundo Esdras, é a falta de definição em relação aos novos cargos e funções. "Nossa proposta é que haja uma interação maior com as empresas e, mais que isso, seja feita a fiscalização dos cargos e funções técnicas, assegurando que sejam ocupados por pessoas habilitadas", defendeu.

Outro furo no sistema é a ART (Anotação de Responsabilidade Técnica), que dificilmente é feita. Isso acontece por falta de orientação e fiscalização. E, mais uma vez, seria atribuição do Crea-SP exigir o procedimento que, no final das contas, é o que permite ao profissional ter o seu acervo técnico registrado no Conselho e solicitar o CAT (Certificado de Acervo Técnico). Esse é um documento com fé pública, reconhecido em todo o território nacional e exigido em eventuais concorrências e licitações de que o profissional venha a participar. "Um dos nossos grandes compromissos nessa campanha é promover maior interação com as empresas para organizar o acervo técnico. Ou seja, qualquer participação do engenheiro em projetos, desenvolvimento de produto e até a sua atividade cotidiana ficarão registrados, estando à disposição a qualquer momento." A intolerância do Conselho nesses casos chega a extremos, conforme relatou Esdras, de não atender sequer às solicitações de empresas que tentam organizar o acervo de seus empregados. "A Villares de Araraquara, por exemplo, não consegue entender-se com o Crea-SP. Em visita à empresa, prontifiquei-me a organizar um grupo de trabalho para auxiliá-la a registrar o seu acervo", finalizou.

 

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