Matriz energética

 

Gás boliviano chega a São Paulo em abril

A partir de 16 de abril, a Comgás estará recebendo gás que chegará ao País pelo Gasoduto Bolívia-Brasil. São 1.970km de dutos, que transportarão até 4 milhões de metros cúbicos diários de gás natural, desde Santa Cruz de La Sierra, passando pelo Mato Grosso do Sul.

Chega a São Paulo, no próximo dia 16 de abril, o gás boliviano transportado pelo Gasoduto Bolívia-Brasil. A Petrobrás inaugurou, em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, no dia 9 de fevereiro último, o trecho que conduzirá, nos seus 1.970km de dutos, entre 2,2 milhões e 4 milhões m3/dia de gás natural, de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, até Campinas, em São Paulo, passando pelo estado de Mato Grosso do Sul. Com a conclusão do segundo trecho, Campinas-Porto Alegre — que atravessará os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul — prevista para o final de 1999, o volume chegará a 8 milhões m3/dia, ao longo dos 3.150km, sendo 557 em território boliviano. A partir do oitavo ano, alcançará gradativamente até 16 milhões m3/dia. O projeto exigiu investimentos aproximados de US$ 2 bilhões para sua construção — US$ 1,6 bi do Brasil e US$ 400 milhões da Bolívia — e tem como meta mudar o perfil da matriz energética nacional, contribuindo para elevar a participação do gás natural dos atuais 2,6% para 12% no ano de 2010. Segundo a Gaspetro (Petrobrás Gás S/A), subsidiária responsável pelas atividades de gás natural, há mercado com demanda crescente de energia na indústrias, nas termoelétricas e no consumo residencial. Ainda conforme a empresa, o sistema marcará a integração energética da América do Sul, estabelecendo processo de comercialização de 30 milhões m3/dia entre Brasil e Bolívia. "O gasoduto alavancou a demanda de gás no País, principalmente para geração de energia termoelétrica, e permitirá consumir esse montante por volta do ano 2004", informou sua assessoria de imprensa.

Mercado

A Comgás (Companhia de Gás de São Paulo), concessionária de serviços públicos, é a responsável pela construção da rede e distribuição do gás, a ser entregue nos city gates (estações de redução e saída de gás) no Estado. Segundo o engenheiro Carlos Augusto, seu diretor de Engenharia e Construção, atualmente a empresa distribui em média 3,5 milhões m3/dia, embora tenha capacidade instalada para 5 milhões m3/dia. "Hoje as indústrias vêm reduzindo a produção e consumindo menos." De acordo com ele, a partir do dia 16, com a companhia já privatizada (a venda está marcada para 14 de abril), o volume passará para 7 milhões m3/dia. Com um acordo com a Petrobrás na base take or pay, a empresa terá de desembolsar o custo de 5,2 milhões m3/dia, consumindo ou não. A estratégia da Comgás para distribuir todo esse gás será manter o plano de expansão residencial — serão construídos 22km de rede nos bairros do Jabaquara, Butantã e Tatuapé, na Capital — mas a prioridade será o consumo industrial. Para Augusto, o esquema de distribuição é perfeito. As tubulações são de polietileno e é adotado sistema de proteção catódica, que mede todos os pontos para verificar se há corrosão e necessidade de reparos.

Conforme o engenheiro José Antônio Jacques Neto, superintendente de vendas industriais da Comgás, foi desenvolvido um plano de expansão no Estado para receber o gás boliviano. O projeto abrange a região do Vale do Paraíba, a Metropolitana de São Paulo, a Baixada Santista, a administrativa de Campinas, englobando Piracicaba, Limeira, Jaguariúna, Sumaré, Mogi Guaçu, Mogi Mirim, Americana e Rio Claro, entre outras cidades, e prevê a distribuição de 5 milhões m3/dia. "É viável, o contrato foi feito pensando nesse mercado. Só o sistema Campinas-Itatiba, em funcionamento a partir de fevereiro do ano 2000, tem potencial de 750 mil m3/dia; no Limeira-Piracicaba, é de 720 mil m3/dia", garantiu Jacques. Esse último, inclusive, será o primeiro a receber o gás, já tendo empreiteira com contrato assinado para fazer a rede. Pelos cálculos do engenheiro "existe mercado de fato, mesmo sem computar os projetos de co-geração em termoelétricas em São Paulo, que tem quase 22 milhões m3/dia potenciais".

Operação gigante

Para trazer o gás da Bolívia, a Petrobrás, seguindo a legislação brasileira, criou a TBG (Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A) e negociou os contratos através das distribuidoras nos estados. A TBG tem sede no Rio de Janeiro e três divisões: a Oeste, em Campo Grande, Mato Grosso; a Leste, em Campinas, São Paulo; e a Sul, em Florianópolis, Santa Catarina. Segundo o gerente de operação da divisão leste, engenheiro Walter Cordeiro Liegel, cabe à empresa entregar o gás via tubulações, de acordo com determinação da Petrobrás, que define os pontos das distribuidoras, os city gates. A TBG contratou serviços de engenharia da Petrobrás, por meio da Segen, para gerenciar a obra, que detém o domínio da tecnologia necessária. O empreendimento exigiu financiamento de US$ 1,895 bilhão. Conforme ele, embora muitos equipamentos, como compressores, válvulas de bloqueio, os componentes dos city gates, softwares, tenham sido importados, o projeto foi elaborado pela engenharia nacional.

Um aspecto fundamental na operação é a segurança, para a qual "foi adotada a tecnologia mais sofisticada". O gasoduto será supervisionado via satélite pelo Centro de Supervisão e Controle da TBG, no Rio de Janeiro, cabendo às divisões dar suporte operacional. Segundo Liegel, todas as variáveis — pressão, vasão, temperatura e outras — serão coletadas e transmitidas pelo satélite e haverá engenheiros controlando o gás 24 horas por dia. Em Campinas, onde há sete desses profissionais atuando, ficarão centralizados o acompanhamento, manutenção das instalações e operação dos city gates. Na Bolívia, o controle estará centralizado em Santa Cruz de La Sierra e haverá troca de informações com o Brasil, já que se trata de um sistema integrado.

Na concepção de Liegel, é fundamental que não haja falhas na operação, até porque a vantagem que o cliente terá ao não precisar de estoque de combustível necessita de confiabilidade no serviço. "Isso será o grande fator de sucesso da TBG", enfatizou ele.

O consórcio Conmar, formado pela Confab Tubos S/A e a Marubeni (composta por quatro usinas japonesas fabricantes de tubos) foi o grande vencedor da concorrência para fornecer a tubulação dos dutos, garantindo os contratos de ponta a ponta. De acordo com o engenheiro Fernando Júlio Santos Silva, gerente de Contratos e Logística da Confab, a empresa nacional foi responsável por 55% da produção, a Marubeni por 25% e o restante ficou por conta de empresas subcontratadas. Foram investidos US$ 1 milhão e, no pico da fabricação, a empresa tinha 1.400 funcionários, dos quais 30 engenheiros. O trabalho incluiu o fornecimento, armazenamento dos tubos, importação do que foi feito no Japão, aplicação da proteção anticorrosiva e entrega nos locais de estocagem. O material que ia para a Bolívia chegava no porto fluvial de San Nicolas, na Argentina, lá era revestido e transportado por barcaças até o destino final. Atualmente, resta à empresa entregar 10% dos tubos que serão utilizados no trecho Sul do Brasil. E o trabalho continua, já que a Confab venceu concorrência para fornecimento dos ramais e já está entregando tubos para a Compagás, distribuidora do Paraná, e disputando outra em Santa Catarina.

Olhar crítico

Apesar da grandiosidade e otimismo em torno do Gasoduto, não há unanimidade acerca do projeto. "Esse gás, ao contrário do que pensam, não vem para as indústrias brasileiras, mas para a construção de termoelétricas, que serão estrangeiras e poluentes, porque 50% do peso do gás é transformado em CO2", disparou o engenheiro Fernando Siqueira, diretor da Aepet (Associação dos Engenheiros da Petrobrás). A afirmação bate de frente com a opinião do diretor da Comgás, Carlos Augusto, para quem o principal beneficiado pela maior utilização do gás natural será o meio ambiente. "Estaremos substituindo óleo combustível, altamente poluente. A indústria trabalhará com processos limpos, os equipamentos terão mais durabilidade", atestou. "Sairemos de uma independência energética gerada no País, para uma dependência de fornecedores externos, que visam apenas lucro. O Brasil tem muitas hidrelétricas, que deveriam ser usadas. Em vez disso, vamos importar gás", criticou Siqueira. É na sua ótica, o discurso em torno de uma energia mais limpa é falácia, já que "a nossa matriz é elogiada por órgãos ambientais internacionais".

O diretor da Aepet questionou ainda o papel do desenvolvimento do País a ser desempenhado pelo gasoduto. "Existe disparidade entre hidrelétrica e termoelétrica, cuja tecnologia usa pouca engenharia. A primeira é mais vantajosa, porque utiliza know-how nacional." Para ele, a tarifa será outro problema. "Hoje, a Petrobrás vende gás de Campos por cerca de US$ 2,2 por milhão de BTU (British Thermal Unit, unidade britânica de conteúdo energético), o boliviano chegará a US$ 2,80 no terminal do city gate e ao consumidor por US$ 4. A política tarifária ficará ao sabor das multinacionais proprietárias de um monopólio natural", alertou. Não é essa a opinião de Augusto. "As suas vantagens tornam o preço do gás natural mais competitivo."Além disso, reforça Jacques, "com o gás boliviano, surgirão empregos, será necessário construir milhares de quilômetros de distribuição, que redundarão em obras a serem contratadas e engenheiros para fazer a rede de distribuição. Isso sem contar a entrada de novos agentes, fornecedores, fabricantes, prestadores de serviço".

O físico José Goldemberg, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, acredita que a introdução de gás natural na matriz energética brasileira trará conseqüências positivas. Até agora, não foi necessário gerar eletricidade, porque o Brasil foi dotado de reservas hidrelétricas. "Contudo, como os recursos não são infinitos, precisamos buscar energia cada vez mais longe, o que encarece, além de se correr riscos de acidentes com linhas muito longas", analisou. Na sua opinião, o ideal seria utilizar o gás que virá da Bolívia para fins residenciais e industriais, substituindo óleo combustível, diesel e gasolina, principais contribuintes para a poluição ambiental. O problema é que "para viabilizar esse gasoduto, é preciso instalar usinas termoelétricas". Além disso, Goldemberg lembrou que a desvalorização do real tornou o gás boliviano economicamente menos atraente. "O mesmo ocorre no caso de Itaipu, onde a energia é vendida em dólar no País e ficou mais cara do que a produzida nas outras usinas brasileiras. Isso se refletirá no bolso do consumidor", lamentou.


Participação societária

Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A -TBG
Gaspetro - 51%

BBPP Holdings (British Gas, BHP e El Paso Energy) - 29%
Transredes - 12%
Enron - 4%
Shell - 4%

Gas Transboliviano - GTB
Transredes - 51%
Enron - 17%
Shell -17%
Gaspetro - 9%
BBPP - 6%

 

 

Volta