Real na berlinda


Para onde caminha a economia brasileira?

Retomar o desenvolvimento por meio das exportações é a solução indicada pelos diversos agentes econômicos para fugir da recessão e equilibrar as contas externas. Porém, o futuro próximo permanece uma incógnita, com previsões que chegam a apontar queda de 6% no PIB.


Às vésperas do Carnaval, o País vivia a expectativa sobre o que aconteceria após o feriado. Na sexta-feira, 12 de fevereiro, o dólar fechou em R$ 1,91, com a promessa do presidente Fernando Henrique Cardoso de que todos poderiam bailar tranqüilos, pois não haveria pacote econômico durante o final de semana. Nesse clima de expectativa, sobravam palpites e faltavam certezas. Entre as previsões mais pessimistas estava a publicada em 1º de fevereiro, pela Economic Update, do Citibank, que indicava como mais provável o cenário anunciado pela Salomon Smith Barney, supondo uma crise igual à que se instalou no México em 1995. Com isso, no biênio 1999/2000, haveria queda de 6% do PIB, inflação de 35% e taxas de juros nominais de 50%; o desemprego atingiria o patamar de 12% e o câmbio encerraria o ano em R$ 2,00, após oscilar até R$ 2,50. Bem mais otimista, em 27 de janeiro último, o Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos) desenhava duas hipóteses para a economia nacional; na melhor delas, haveria queda significativa na taxa de juros, o câmbio se estabilizaria entre R$ 1,55 e R$ 1,60, o governo conseguiria aprovar as medidas de ajuste fiscal e seria mantida a desindexação; na pior, os juros continuariam altos por um longo período, o câmbio oscilaria entre R$ 1,80 e R$ 1,90 e haveria dificuldades junto ao Congresso para implantar o ajuste.

Desastre anunciado

O economista Márcio Wohlers define a crise econômica brasileira como a "crônica de um desastre anunciado". "O governo provocou uma sobrevida artificial da política cambial, com motivos nitidamente eleitoreiros, apostando num milagre que todos sabiam que não aconteceria, e acabou gerando uma máxidesvalorização selvagem." Com desdobramento imediato, ele acredita que o dólar deve ficar entre R$ 1,60 e R$ 1,80, mas não se sabe quando, e a demora nessa estabilização aumentará os efeitos perversos das incertezas nos negócios. O economista criticou qualquer insistência em manter os juros elevados. "Isso agora é totalmente inoperante, só traz prejuízos e nenhum benefício."

Da mesma forma, Wohlers não acredita que as desestatilizações ainda por ser feitas resolvam o problema de caixa nacional. "O argumento da privatização como tábua de salvação para o financiamento externo não funcionou antes e não vai agora, mesmo que as empresas estejam mais baratas em dólar, tornando o capital estrangeiro mais competitivo", avaliou. Outra dificuldade, segundo ele, é que hoje estão na prateleira as estatais menos rentáveis, como as de geração de energia elétrica e saneamento, cuja rentabilidade dependeria de aumentos tarifários, o que geraria inflação, ou assunção de dívidas pelo governo, que não tem condições de fazê-lo. A situação aponta para a revisão desse modelo de privatização."

Mais enfática, a ex-deputada Marta Suplicy defendeu o fim das desestatizações. "Temos que estancar esse processo de desindustrialização e desnacionalização da produção brasileira", afirmou. Na sua opinião, para vencer a crise, será necessário "alterar por completo a política econômica no País". Para atingir esse objetivo, sair da crise, ela recomenda a centralização do câmbio, apoio à exportação e à substituição das importações, programas de crédito solidário e geração de emprego com investimento em infra-estrutura.

Exportação na pauta

Diante de tais expectativas, criou-se o consenso de que é fundamental aproveitar o câmbio desvalorizado para incrementar exportações e retomar o crescimento. Para isso, a condição essencial é baixar radicalmente a taxa de juros, elevada a 39% ao ano. Em 21 de janeiro, o SEESP lançou o manifesto "Menos juros e mais engenharia", apontando essa necessidade. "Para aumentar exportações e substituir importações, o Brasil precisa, a curto prazo, ocupar a capacidade ociosa das empresas e retomar os investimentos produtivos, o que exige a queda dos juros, abaixo de 10%", reivindicava.

Fez coro a essa opinião Luiz Carlos Delben Leite, presidente da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) e do Sindimaq (Sindicato Nacional da Indústria de Máquinas). "Precisamos de taxas de juros compatíveis com o mercado internacional, ou seja que a TJLP se situe na faixa de 3% a 5%, no máximo", afirmou. Representando um setor que já exporta significativamente, embora em queda — US$ 3,7 bilhões em 1998, contra US$ 3,9 bilhões no ano anterior —, Delben Leite acredita que esse é o caminho. "Mas é evidente que tudo depende de como o governo vai encaminhar a estabilização da economia."

"No nosso setor, é a crise mais séria de que eu me lembro, desde 1982. A situação é penosa e está levando a sociedade a essa recessão muito grande", confirmou João Antônio del Nero, presidente do Sinaenco (Sindicato Nacional das Empresas de Consultoria) e representante da Figueiredo Ferraz Consultoria e Engenharia de Projetos Ltda. Ele concorda que o câmbio possibilite as exportações, porém vê problemas quanto a isso na consultoria. "Quem tem serviço em outros países vai se beneficiar, mas isso é uma pequena parcela. A Figueiredo Ferraz, por exemplo, tem apenas 25% de seus contratos fora. A estabilização do câmbio num patamar mais real vai facilitar a exportação, mas os juros altos prejudicam a busca de serviço no exterior."

Para as exportações, Wohlers não vê muitos motivos para festa. "O efeito no curto prazo dessa situação é desastroso, no médio é positivo, mas depende de diversos fatores. Como a correção demorou, as outras economias já estão exportando, inclusive em áreas concorrentes com o Brasil, como a têxtil e de calçados. Muitos importadores estrangeiros já estão exigindo uma baixa em dólar, porque o País não tem poder de barganha internacional."

Nuvens passageiras

Mais otimista é o secretário executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, Carlos Américo Pacheco. "A situação de hoje é transitória, de curtíssimo prazo. O Banco Central tem deixado o câmbio oscilar um pouco ao sabor do mercado, para que se retome um patamar razoável, algo entre R$ 1,60 e R$ 1,70", informou. "Essa estratégia do BC tem o objetivo de não comprometer as reservas nesse momento e de acertar as expectativas dos diversos mercados", completou.

Pacheco concorda que é necessário reduzir a taxa de juros. "Provavelmente, terá que se fazer uma política monetária ativa, ainda com os juros um pouco mais altos, nesse momento de certa instabilidade, mas, tão logo se retome a execução de uma política cambial, é importante uma redução significativa." Para ele, é possível imaginar uma meta de 12% a 15% para o final do ano.

O Secretário lembrou que, "do ponto de vista mais estrutural, a alteração no câmbio traz a perspectiva de que se consiga fazer um ajuste nas contas externas brasileiras, tornando a economia menos dependente do aporte de recursos internacionais". Ele vê na crise a oportunidade de se delinear uma orientação de política econômica de apoio à atividade produtiva, com o adensamento de cadeias industriais e o conseqüente crescimento das exportações.

Com isso, Pacheco não crê nas projeções mais pessimistas para o crescimento neste ano. "Nesse primeiro semestre, devemos ter uma retração mais forte na área industrial, uma estagnação na de serviços, mas pode haver resultado positivo na agroindustrial. Se navegarmos bem sobre a instabilidade, a partir de julho, podemos ter taxas até aceleradas de crescimento."

Da mesma forma, ele descartou um grande impacto sobre preços. "Se o dólar ficar num patamar razoável, pode ser absorvido, não corroendo o poder de compra, nem minando os ganhos do Real. Se isso acontecer, o impacto inflacionário imediato estimado tem sido entre 7% e 9%. Como a estabilidade ajudou a desindexar a economia brasileira e criou um ambiente mais competitivo em alguns setores, pode-se chegar ao final do ano com taxas bem baixas, sinalizando uma inflação anual de 6% ou 5%."

Administrando a crise

Para garantir a concentração dessa previsão positiva, Pacheco afirmou que um dos projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia, com "absoluta prioridade", é a política tecnológica. "Nossa agenda é que o Finep e a Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico trabalhem articuladamente com o BNDES e o Ministério do Desenvolvimento nesses estudos das várias cadeias industriais, ligadas ao programa de exportação." Parte desse esforço, segundo o Secretário, gira em torno da atualização das leis de incentivo existentes na área tecnológica, mas a idéia é também montar um plano de ação para que se identifiquem "gargalos e constrangimentos tecnológicos para a competitividade". "Sobretudo nos setores de maior valor agregado, isso será importante para a geração de emprego, o desenvolvimento e engenharia nacionais e absolutamente decisivo para que se construa uma trajetória de alicerçar a competitividade desses setores para que exportem mais."

Do outro lado do balcão, o presidente da Abimaq/Sindimaq afirmou ainda não ter sentido esse esforço de coordenação. "Parece que os órgãos de governo não conhecem as propostas uns dos outros, o que acaba gerando um desgoverno", criticou. Na sua avaliação, "até agora o discurso tem sido esse, mas as ações ainda não ocorreram".

Mais que esperar pelas exportações, del Nero, do Sinaenco, defendeu iniciativas emergenciais para driblar o momento crítico. "Nós da engenharia deveríamos ajudar a dar um choque produtivo em áreas socialmente relevantes, a exemplo do que está sendo feito no setor de automóveis", afirmou. A idéia seria uma meta social, como "um milhão de unidades habitacionais em todo o País, por exemplo". Ele vê nos fundos de pensão das estatais as fontes de financiamento que poderiam emprestar dinheiro mais barato, entre 6% e 8% ao ano. "Foi o segmento mais beneficiado nesses anos, agora seria a hora da contrapartida", disse. Para ele, a alternativa de casas populares teria a vantagem de solucionar um problema social, gerar emprego e movimentar a economia em diversos setores.

Emprego

Acreditando que a proposta vá favorecer principalmente o aumento de postos para a mão-de-obra não-qualificada, o presidente do Sinaenco lembrou, contudo, que o desemprego na engenharia é flagrante. "Houve 30% de redução da atividade da área de consultoria, o que significa 20% de corte de pessoal. E nesse ano, devemos ter queda de mais 30%, ainda que possamos crescer no segundo semestre, o que é o objetivo de todos nós."

Delben Leite, da Abimaq/Sindimaq, não poupou críticas ao governo, que considera culpado pelo desemprego. "A política econômica foi absolutamente inconseqüente, irresponsável e não levou em consideração os problemas do cidadão brasileiro. A pessoa que passa seis meses sem encontrar uma vaga é uma força de trabalho que se perde, desperdício de um recurso econômico fundamental. Se olharmos pelo aspecto humano, é um crime." Segundo ele, em 1998, o setor de máquinas cortou 18.600 postos.

Para enfrentar os níveis alarmantes de desemprego — pesquisa da Fundação Seade e Dieese aponta 17,4% na Região Metropolitana de São Paulo, estimando-se 1,5 milhão de pessoas sem ocupação em dezembro último —, o delegado Regional do Trabalho, Antônio Funari, defendeu a criação de um acordo social. "A idéia é discutida pela Organização Internacional do Trabalho e já aplicada em várias partes do mundo." Ele informou que na Itália há acordos coletivos de trabalho que estabelecem regras específicas para uma certa região, dependendo das necessidades locais. "Por exemplo, o piso salarial pode ser mais baixo ou é instituído o banco de horas, cobram-se juros e impostos menores etc." O delegado ressaltou, no entanto, que "é preciso haver reciprocidade social para se evitar casos como o de uma empresa do ramo de cervejaria que levantou dinheiro do BNDES, transformou-se numa das mais modernas do mundo e demitiu 400 empregados".

Poder aquisitivo

Para quem, além de lutar pelo emprego, precisa defender os salários, a crise traz mais um temor: a volta da inflação. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil e vice da Força Sindical, Antônio de Sousa Ramalho, vê aí o principal efeito negativo da desvalorização cambial. "Muitos produtos dependem de matéria-prima importada e haverá pressão sobre esses preços", avaliou. O sindicalista acredita que a única maneira de defender o poder aquisitivo seria combater essa tendência. "Nas negociações será difícil conseguir reajustes reais, até porque o IBGE pode maquiar essa realidade e é bom lembrar que o trabalhador nunca conseguiu recuperar totalmente as perdas na data-base."

O cutista Luiz Marinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, tem a mesma visão. "Podemos ter o pior dos mundos, inflação e recessão." Ele também descarta a reindexação para garantir ganhos, focando a ação na recomposição do salário mínimo. "Essa é a forma de provocar a distribuição de renda, aumentando o mercado de consumo e aquecendo a economia."

 

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