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Reportagem | |||
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A concessão da antiga Fepasa (Ferrovia Paulista S.A.), transformada em Malha Paulista da RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.), encerrou o processo de privatização do transporte ferroviário de carga no País. A venda no valor de R$ 245 milhões — apenas 5% de ágio sobre o preço mínimo — para o consórcio Ferrovias liderado pela CVRD (Companhia Vale do Rio Doce) e Ferropasa, holding que já controla a Ferronorte e a Novoeste, traz diversas expectativas para o setor. Uma delas diz respeito à integração e avanço do transporte de cargas no País, tendo em vista que a Fepasa é considerada o coração das malhas ferroviárias brasileiras. Com a sua aquisição pela Ferropasa, foi dado mais um passo no projeto da Ferronorte de escoar a produção de grãos do Centro-Oeste do País. Conforme declarou o diretor de Relações com o Mercado da Ferropasa, Sérgio Ricardo de Freitas, ao jornal Gazeta Mercantil, publicado no dia seguinte ao leilão, em breve o produtor de soja do Mato Grosso poderá levar sua mercadoria pela ferrovia até o porto de Santos. Da mesma forma, a idéia é que os insumos cheguem pela ferrovia até o agricultor. "Ou seja, o desenho da produção de grãos vai mudar com a Fepasa", garantiu. Estudo produzido pelo Simefre (Sindicato Interestadual da Indústria de Materiais e Equipamentos Ferroviários e Rodoviários) também vai na mesma direção. "A RFFSA, apesar de seus quase 40 anos, não operou como uma empresa integrada. Prevaleceram interesses regionais, fazendo com que cada uma das antigas estradas se fechassem em si mesmas. As concessionárias privadas, obviamente, darão preferência aos fluxos mais rentáveis e sobre os quais elas têm total controle. Mas, os critérios de partilha de frete devem estimular o tráfego mútuo. A malha da Fepasa, por estar no miolo do sistema ferroviário brasileiro, será a peça fundamental dessa integração. O ideal seria que o consórcio vencedor do leilão procurasse viabilizar transportes a grandes distâncias, de modo a atender aos interesses das cinco concessionárias a ela conectadas." Eficiência Essas previsões, contudo, ainda carecem de confirmações práticas, visto que a operação das malhas ferroviárias pelas empresas privadas, iniciada em 1996, deixou a desejar, não atingindo sequer as metas estabelecidas pelo Ministério dos Transportes nos contratos. A Novoeste, por exemplo, conseguiu transportar apenas 76% dos 2 bilhões de TKU (toneladas por quilômetro útil) estipuladas para os dois primeiros anos. O próprio Simefre, que tem expectativa otimista com a privatização, não faz avaliação positiva da situação. "Naturalmente, pressupunha-se a adoção de medidas gerenciais e a realização de investimentos, já que em todas as malhas havia demanda reprimida. Afinal, as metas estabelecidas, na maioria das malhas, eram inferiores à produção já alcançada, quando essas ainda eram operadas pela Rede Ferroviária Federal." Após polêmicas e críticas, o governo resolveu, em 23 de outubro último, alterar os critérios de avaliação das ferrovias. Em portaria publicada no Diário Oficial da União, o Ministério argumentou que os critérios originais "não espelham a realidade operacional" das empresas. Procurados por meio de suas respectivas assessorias de imprensa, a Novoeste e o Ministério dos Transportes não quiseram se manifestar sobre o assunto. Esse quadro choca-se ainda com o principal argumento apresentado em favor da venda das malhas ferroviárias, que não era o montante de R$ 1,5 bilhão arrecadado com a venda das seis primeiras, mas justamente a eficiência do serviço, essencial para a integração e desenvolvimento do País e impossível de ser alcançada nas mãos do Estado, devido aos altos investimentos necessários, segundo avaliação do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Com uma visão crítica do processo de privatização, José Elias de Paiva Jr., vice-presidente do SEESP e engenheiro da Fepasa, lembrou que "não faz muito tempo, o Estado teve que intervir na última ferrovia privada de São Paulo, a CPEF (Companhia Paulista de Estradas de Ferro), que era considerada modelo, vindo a falir nas mãos da iniciativa privada. Aliás, todas as ferrovias paulistas pertenceram um dia a empresas particulares e quebraram". Ele ressaltou ainda que a "ex-Fepasa já transportou o dobro da carga atual, dispondo dos mesmos equipamentos", não sendo difícil recuperar essa marca em curto prazo. Segundo ele, isso sinaliza a verdadeira razão da ineficiência das antigas ferrovias estatais brasileiras. "A responsabilidade pelo fracasso está na deficiência de seus altos dirigentes, que não foram capazes de identificar as ações que deveriam implementar em tempo hábil, porque ficaram presos a dogmas que diziam respeito às dificuldades de intercâmbio, à estrutura organizacional e ao quadro de pessoal, quebra de bitola ou ao tamanho dos trens. Esses pontos são apenas parte de um grande problema, e não podem ser tomados isoladamente." Paiva garantiu também que essa falha gerencial ocorreu tanto no setor público quanto na iniciativa privada. "A ferrovia, estatal, serviu de cabide de empregos e utilização política; privada, ateve-se a determinados mercados, sem levar em consideração todas as possibilidades. Só uma visão adequada vai fazer com que o setor se recupere, a privatização não resolverá isso num passe de mágica." O sindicalista criticou ainda as demissões verificadas no processo de privatização e que agora devem se repetir na malha paulista, atualmente com 6 mil empregados. "Fala-se muito em Custo Brasil, atribuindo à mão-de-obra a responsabilidade pelo baixo desempenho das empresas, e a primeira coisa que se faz é demitir e terceirizar tudo." Na privatização das malhas Sul, Sudeste, Oeste, Centro-Leste, Nordeste e Teresa Cristina, foram transferidos para as seis concessionárias 25 mil empregados dos 44 mil originalmente locados na Rede. Os demais foram convidados a entrar num programa de demissão voluntária, que recebeu recursos do Banco Mundial. Houve novas dispensas entre os transferidos, chegando a 9 mil em todas as empresas. Esses receberam os mesmos benefícios constantes do programa de desligamento praticado pela RFFSA.
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