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Cresce Brasil – País precisa garantir interatividade e massificação da TV digital

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De janeiro a dezembro deste ano, 75% das televisões não analógicas feitas no País obrigatoriamente têm que sair de fábrica com o Ginga instalado – o software desenvolvido por brasileiros e inserido no sistema japonês adotado aqui para a TV digital de modo a propiciar interatividade, uma das grandes promessas do novo padrão. “Para estimular a cadeia produtiva dos aplicativos que vão permitir o acesso a uma série de serviços diretamente pela TV, o Ministério das Comunicações lançou, no fim do ano passado, o programa Ginga Brasil”, detalha a assessoria de comunicação desse órgão, que acrescenta: “A iniciativa terá o investimento de R$ 5 milhões em capacitação de profissionais e criação/difusão de aplicativos de interatividade e de infraestrutura para o compartilhamento de conteúdo. É um projeto robusto que será desenvolvido em parceria com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa e terá apoio da Universidade Federal da Paraíba e da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro, que atuaram na criação do Ginga e já possuem expertise no tema da interatividade.”

Conforme a informação oficial, o foco principal é difundir os serviços interativos de governo eletrônico “para levar ao cidadão diversos serviços públicos, especialmente na área de saúde e educação”. Com isso, segundo David Britto, diretor de tecnologia da TQTVD, que desenvolve e comercializa soluções em software para TV digital, membro do conselho do fórum brasileiro do sistema, dos atuais cerca de 5 milhões de televisores já com Ginga, até o final do ano, haverá um salto para mais de 13 milhões.

“Pela primeira vez, há uma política voltada para incentivar a adoção e aprimoramento do Ginga”, salienta Daniel Fonsêca, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, mestrando em comunicação e cultura com pesquisa sobre TV digital pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). A outra medida lembrada por ele como inusitada é a regulamentação do Canal da Cidadania em 16 de dezembro de 2012, previsto desde 2006. A ideia é que seja gerido de forma compartilhada com as prefeituras e participação direta da sociedade civil. Todavia, Fonsêca enfatiza que ainda não saiu do papel.

Segundo Marcos Dantas, professor titular da Escola de Comunicações da UFRJ, desde a publicação pelo governo federal há dez anos do decreto que instituiu o SBTVD (Sistema Brasileiro de Televisão Digital) até hoje, esses e outros temas estão à espera de soluções. Conforme Britto, hoje 20% do conteúdo no ar tem interatividade. O problema é a que serve, se à educação, saúde, cultura ou a interesses comerciais. Para Dantas, a interatividade como meio de inclusão social não vai avançar se o governo não quiser. “Não são as operadoras de TV que vão investir nisso.”


Sem massificação

De acordo com Fonsêca, dado esse conjunto de interesses em jogo e forças econômicas, a adoção da TV digital em âmbito nacional, a priori, não significou nenhuma grande transformação além da melhoria da qualidade da imagem e do som. E não há convergência tecnológica nem massificação do sistema. “Uma hipótese é de que a penetração da TV digital no Brasil esteja se dando sobretudo através da TV por assinatura, e não aberta, como o projeto foi concebido. E hoje ainda são 80% com acesso somente a essa última, na qual o sinal digital só pega em aparelhos móveis, naqueles locais em que só chega dessa forma”, acena Dantas.

Na sua ótica, esse é um grande nó. O Ministério das Comunicações afirma que a ideia seria iniciar o processo de desligamento do sinal analógico a partir de 2015 e terminar depois de 2016 – ano em que espera já ter 70% da população brasileira, em cerca de mil cidades, somente com acesso ao sistema digital. “Entrariam aí todas as capitais, as cidades grandes, o Estado de São Paulo. Teríamos uma grande área no interior do Centro-Oeste, no Nordeste e no Norte em que não desligaríamos até 2016. Esse é um plano que ainda estamos discutindo internamente”, destaca.

Na visão do professor da UFRJ, é muito difícil que daqui a três anos a maioria já tenha conseguido fazer a transição. “Os exemplos internacionais são sempre pessimistas. Quando os Estados Unidos achavam que tinham concluído a transição, após dez anos, tiveram que estender por mais dois, pois 20% dos lares ainda não tinham migrado.” Findo esse prazo, conta ele, ainda foi preciso naquele país um programa intensivo de subsídios de mais um ano, “uma espécie de bolsa conversor”. Ele relata ainda o caso da Holanda, que, “quando resolveu cortar o sinal analógico, deixou 100 mil pessoas sem televisão”.

O Ministério das Comunicações assevera que a preocupação de que no Brasil essas situações não se repitam está presente e sinalizou a realização de uma grande campanha de esclarecimento da população. Informou também que estuda a possibilidade de uma política de incentivo, benefícios fiscais e subsídios à substituição dos aparelhos analógicos ou compra de conversores. A doação desses últimos aos estratos que não tiverem condições de adquiri-los também está em análise, de acordo com a assessoria do órgão governamental.

Motivos para apreensão não faltam. Segundo dados divulgados no site do Fórum do SBTVD, atualmente a TV digital chega a apenas 448 das 5.565 cidades brasileiras e a pouco menos da metade da população do País. Em São Paulo, o percentual é maior. Setenta por cento de seus habitantes têm acesso ao novo padrão.


Regulação e indústria

Também não se configurou uma perspectiva otimista apresentada no projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, lançado pela FNE (Federação Nacional dos Engenheiros), de que com a TV digital se reconstruísse a cadeia produtiva nacional, destruída nos últimos 15 anos. Quem indica é Dantas, que é categórico: “Tem que haver uma intervenção muito forte no sentido de se recriar uma indústria eletroeletrônica brasileira.”

Outro problema ainda sem solução, para o especialista, é a falta de um marco regulatório para o setor. O que não possibilita que potencialidades maiores com a TV digital, como a ampliação do espectro, garantindo diversidade e pluralidade de conteúdos, se concretizem. E de acordo com ele, não há nada no horizonte em relação a isso.

Sem uma norma que altere o cenário de concentração dos meios de comunicação, com a TV digital os radiodifusores viram a oportunidade de multiprogramação – ou multiplexação. Ou seja, mediante uma única outorga, oferecer várias programações num mesmo canal, como se o usuário estivesse assistindo diversos deles. Hoje, segundo Dantas, isso está proibido por resolução “correta” da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). “Se for para permitir multiprogramação, não pode ser para as mesmas emissoras, aí tem que abrir a estrada. Não é uma questão tecnológica, mas política, de regulação.”


Rádio digital em discussão

Sobre esse tema, o debate ainda é bastante incipiente, como revela o pesquisador Marcelo Kischinhevsky, professor de pós-graduação em comunicação e do Departamento de Jornalismo da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). “No ano passado, o Ministério das Comunicações realizou, em parceria com o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia), uma série de testes de FM com os padrões DRM (europeu) e HD Radio (norte-americano). Entretanto, o Conselho Consultivo do Rádio Digital não ficou completamente satisfeito. O governo cogita realizar novos testes em 2013”, informa a assessoria do Ministério. A frustração é apontada por Kischinhevsky, que coloca a questão: “Digitalização para quê?” Para ele, se a qualidade não é melhor e a multiprogramação, não cogitada pelas grandes empresas de comunicação, que teriam que investir em conteúdo e pessoal, é importante responder a essa pergunta.

Ademais, grande nó é quanto à garantia de que as rádios comunitárias – hoje 4,5 mil das mais de 9 mil emissoras em operação no Brasil –, que funcionam em baixa potência, incompatível com o sinal digital, possam ter acesso ao sistema. Ao que, conforme o especialista, seria preciso garantir-lhes recursos para investimentos, como linhas de financiamento, e acabar com certas limitações. “A mais relevante é quanto ao alcance, de um quilômetro. Esse é um problema que vai desagradar empresários, mas é importantíssimo discutir o papel das rádios comunitárias nessa digitalização.”

O Ministério das Comunicações ressalta ter “bastante cuidado na condução dos testes por acreditar que o rádio digital não pode excluir, mas sim incluir. A tecnologia pode oferecer diversos avanços, como interatividade e uma série de aplicativos e potencialidades para educação, saúde e as mais diversas políticas públicas”. Tudo isso, informa sua assessoria, está no horizonte, mas antes “é preciso verificar se os sistemas têm boa cobertura e qual seria a melhor configuração para atender às necessidades do País”.

O professor da Uerj conclui: o governo precisa tomar uma decisão política e então encomendar os estudos a respeito. Na sua concepção, tal definição é fundamental ao futuro do rádio, atualmente presente em nove de cada dez lares no País. Hoje, diz, nesse compasso de espera e face a adiamentos nas conclusões, há uma paralisia nos investimentos.


Por Soraya Misleh

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