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A especulação financeira e o pão nosso de cada dia

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     Entre as principais causas da alta mundial no preço dos alimentos – que ficaram 68% mais caros entre janeiro de 2006 e março deste ano, segundo estudo divulgado neste mês de agosto pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) – está a especulação. “Muitos fundos financeiros e agentes, particularmente nos países desenvolvidos, migraram de áreas como a imobiliária, por exemplo, para alimentos, porque ficou muito claro que o desequilíbrio entre oferta e demanda ocorreria”, explicitou o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, agraciado com o prêmio Personalidade da Tecnologia em Agronomia pelo SEESP em 1998.
      Atualmente à frente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e na coordenação do Centro de Agronegócio da FGV (Fundação Getúlio Vargas), ele explica que esse desequilíbrio ocorreu porque a demanda explodiu nos países em desenvolvimento, em que a renda per capita está crescendo 3,5 vezes mais do que nos desenvolvidos. Na sua ótica, o protecionismo agrícola praticado pelos países ricos, inibindo o crescimento nos pobres, contribuiu para reduzir a oferta. Os estoques mundiais despencaram e, como reação, os alimentos ficaram mais caros. “E a especulação, quando o mercado é demandante, joga os preços para cima.”
       O economista Luiz Gonzaga Belluzzo destaca que o fenômeno internacional da inflação decorre do choque de commodities, devido a uma “seqüência de erros cometidos na política energética e agrícola no mundo inteiro que o modelo neoliberal só agravou”. Para ele, abandonou-se o planejamento, deixado por conta do mercado, inepto para questões de longo prazo. “Não existem no Brasil, como no resto do mundo, estoques reguladores. Só temos de arroz, acabamos com essas intervenções que são fundamentais.” Belluzzo acrescenta que, nesse modelo, pouco interessa o produto em si, objeto da especulação. “Basta que haja oportunidade, como a defasagem entre oferta e demanda, para operações de vendas futuras.”
      Pesquisadora do Núcleo de Agronegócios da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e professora de MBA em Agronegócios da FGV, a economista Maria Flávia Tavares aponta: “Os fundos vão atrás do que está dando maior rendimento. Com a crise do subprime (espécie de crédito de segunda linha à habitação) nos Estados Unidos, partiram para commodities agrícolas, como soja, trigo, milho, suco de laranja, café.” No curto prazo, conforme sua explicação, a oscilação nos preços é determinada nas bolsas, sob os fundamentos da oferta e demanda.

Insumos e biocombustíveis
        Além da situação de desequilíbrio e da especulação, Rodrigues inclui entre os responsáveis pelos alimentos terem ficado mais caros o fato de o milho estadunidense, em sua quarta parte, ter virado álcool em vez de comida. E a elevação nos custos agrícolas, dada a alta do petróleo, fertilizantes, aço, nos últimos dois ou três anos. Na opinião de Eliseu Roberto de Andrade Alves, assessor da Presidência da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), a elevação nos preços do petróleo, cotado a mais de US$ 100 o barril, é o principal motivo. “Encareceu muito a produção.” Quanto aos outros insumos, como fertilizantes – como destacou o presidente da Comissão de Agricultura do Senado Federal, Neuto de Conto (PMDB-SC), na abertura do 7º Congresso Brasileiro de Agribusiness, realizado em São Paulo pela Abag (Associação Brasileira de Agribusiness), em 11 e 12 de agosto –, seria preciso que o País, hoje fundamentalmente importador, ampliasse sua produção interna. Como resposta, o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Reinhold Stephanes, afirmou na oportunidade: “A Petrobras vai construir mais duas outras grandes unidades de nitrogenados. Queremos resolver um problema na agricultura, nos tornar menos dependentes e vulneráveis tanto quanto a preço, quanto a fornecimento.”
       O etanol brasileiro, apontado como principal vilão nesse cenário de preços altos, diferentemente do estadunidense, proveniente de cultura essencialmente alimentar, não está por trás da inflação acelerada. Para a Abag, o argumento de que o aumento da área plantada de cana-de-açúcar em território nacional teria como conseqüência redução da oferta global para atender a demanda por alimentos é falacioso. Neuto de Conto elucidou: “Para sua produção, usamos somente 2% do nosso solo agricultável, sendo 1% para açúcar.” Além disso, conforme garante Luiz Carlos Corrêa Carvalho, presidente do Comitê de Agroenergia da Abag, cerca de 88% da expansão da cana se dá em áreas de pastagens degradadas. O ministro completou: “Temos todas as condições de ser produtores de alimentos e energia, há inteira compatibilidade.”
       O quadro nebuloso deve começar a desanuviar a partir da resposta dos produtores para atender a demanda, acredita Rodrigues. “No limite, em três anos, a oferta alcançará a procura e os preços voltarão a patamares históricos. E a especulação tenderá a diminuir na medida em que o equilíbrio for sendo retomado.” Para se tornar menos sujeito a crises cíclicas, o agronegócio brasileiro precisa de compensações, as quais, conforme o projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento” – lançado pela Federação Nacional dos Engenheiros em 2006 e que propugna por uma plataforma nacional de desenvolvimento sustentável com inclusão social –, podem se dar de várias formas. Além de investimentos em ciência e tecnologia para elevar a produtividade, um mecanismo de seguro rural inclui-se entre as propostas. Política agrícola adequada, mais recursos para pesquisa e regulação no mercado são urgentes. Caso nada seja feito, o abismo entre os que têm acesso aos alimentos e os que não comem deve se aprofundar.


Soraya Misleh

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