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16/06/2015

Artigo: O Recife tem dono?

Poucos episódios são capazes de expor com tanta clareza como se dá a interferência de interesses privados numa administração pública quanto a misteriosa alteração, feita da noite para o dia, do plano urbanístico elaborado pelo Instituto Pelópidas da Silveira para o Cais José Estelita.


Imagem: Consórcio Novo Recife/Divulgação
consorcio novo recife red


Os depoimentos coletados pelo Ministério Público Federal e enviados para a Justiça Federal apontam o caminho para as vísceras do relacionamento entre empreiteiras e o poder público em Recife.

Em janeiro, o Instituto criado para estudar, planejar e apontar os caminhos do futuro da cidade do Recife, enviou para o secretário municipal de Planejamento Urbano, Antônio Alexandre, a minuta do plano urbanístico para a área. A ideia era que o documento fosse debatido e, provavelmente, modificado pelos integrantes do Conselho da Cidade. Esta é a rotina para outros projetos.

No entanto, horas depois os conselheiros receberam um documento diferente, com várias modificações. O novo Plano que saiu dos endereços de e-mail da secretaria não passou pelas mãos dos técnicos do Instituto, mas foi apresentado como se tivesse sido. Pior: na hora de enviar o material para os conselheiros, alguém se atrapalhou e mandou uma versão intermediária, ainda com anotações da ferramenta de comentários do word indicando aquilo a ser suprimido.

Na elaboração desta reportagem, a versão com os comentários não foi levada em conta, afinal dois dias depois seguiu uma nova mensagem com o arquivo modificado em anexo. Este sim, anunciado como sendo de autoria do Instituto.

Na época, ainda em fevereiro, a história das três versões não era segredo para ninguém. Identificar as mudanças e explicar o impacto sobre a cidade de cada uma delas, detalhar o que estava na minuta original e o que sumiu no documento que chegou ao Conselho, deveria ter sido notícia. Não foi.

A curiosidade que faltou nas redações estimulou o Ministério Público Federal a instaurar uma investigação para tentar descobrir como surgiram tantas versões de um mesmo plano urbanístico, quem alterou e, o mais importante, porque alterou. Mesmo com um inquérito em andamento, o teor das modificações continuou sendo desprezado pela mídia da cidade. Não fosse isso, os recifenses ficariam sabendo que, ao lerem as alterações, os urbanistas do Instituto perceberam imediatamente o quanto elas atendiam aos interesses das empresas do Consórcio Novo Recife, pois eram as mesmas defendidas em várias reuniões pelo arquiteto Paulo Roberto Barros e Silva, contratado pelo consórcio (Moura Dubeux, Queiroz Galvão Ara e GL) para conduzir as negociações com o poder público.

A mudança de conteúdo do Plano somado e a insistência para que o Instituto assumisse a paternidade do plano falso foi a gota d’água para que a presidente da instituição, a urbanista Evelyne Labanca, entregasse o cargo.

A própria presidente só ficou sabendo da modificação quando integrantes do Conselho da Cidade pediram esclarecimentos sobre o conteúdo que lhes havia sido enviado. Surpresa, ela foi até o gabinete do secretário e pediu explicações a respeito da deturpação do seu trabalho. A conversa teria sido tranquila, apesar da tensão que envolvia o assunto. Antônio Alexandre teria lhe cobrado a aceitação das modificações por também fazer parte da gestão. Evelyne informou imediatamente que agradeceria a oportunidade e entregaria o cargo.

Depoimento ao MPF

A ex-presidente do Instituto foi procurada e não negou esse relato: “Tudo o que sei desse fato está no depoimento que dei ao Ministério Público Federal”.

No depoimento, a ex-presidente foi categórica quando respondeu às perguntas das procuradoras Bettina Guedes e Áurea Rosane Vieira: “Somente o secretário de Planejamento pode informar quem elaborou a minuta do plano urbanístico apresentada para discussão no Conselho”.

Suas declarações também são bem claras quanto à qualidade das alterações, as quais “prejudicam o plano urbanístico elaborado pela sua equipe”. As procuradoras pediram então que ela listasse essas modificações: “o aumento do coeficientes apontados na primeira versão, supressão da lista de imóveis propostos para serem preservados, supressão da quota para habitações de interesse social, diminuição da largura das calçadas”. A lista é grande, a tabela que acompanha este texto dá uma ideia mais clara do significado das modificações.

O principal problema, no entanto, não foi a retirada de todos os itens, mas a inclusão do artigo que na lei aprovada pela Câmara recebeu o número 22. Esse artigo é de uma ironia cruel, pois permite ao consórcio ignorar todo o plano urbanístico e construir o projeto Novo Recife exatamente do jeito que foi apresentado inicialmente, ainda sob a administração do prefeito João Paulo.

Começa assim o artigo: “Os projetos já aprovados poderão ser licenciados de acordo com a legislação vigente no ato de sua aprovação, podendo ser adequados à presente Lei mediante requerimento do proprietário”. E termina com “o eventual indeferimento do pedido de adequação, ou sua desistência, não invalida o projeto originalmente aprovado.” Traduzindo: o prefeito Geraldo Júlio sancionou uma lei que permite a quatro empreiteiras ignorarem qualquer parecer negativo dado pela própria prefeitura para construírem do jeito que pretendiam fazer desde o início.

A mesma pergunta que as procuradoras federais fizeram a Evelyne Labanca foi enviada por este repórter ao secretário municipal de Planejamento Urbano: Quem alterou a proposta elaborada pelo Instituto Pelópidas antes de apresentá-la ao Conselho da Cidade? Além desta, foi perguntado ao secretário, por meio de sua assessoria, de quem partiu a ordem para tais modificações.
No quadro abaixo, entenda as modificações nas duas versões do plano e o que elas significam:


tabela novo recife

tabela novo recife 2

Artigo publicado originalmente em Marco Zero Conteúdo, do jornalista Inácio França, ganhador dos prêmios Vladimir Herzog de Jornalismo e Direitos Humanos, Cristina Tavares, Ayrton Senna de Jornalismo e menção honrosa no Ibero-Americano de Jornalismo pelos Direitos da infância. Também é Jornalista Amigo da Criança. Saiu dos jornais no final de 2000 para ser secretário de Comunicação de Olinda. Em seguida, foi oficial e consultor de comunicação do UNICEF, atividade que ainda exerce. Publicou uma trilogia de crônicas de futebol com Samarone Lima e dois livros de entrevistas e memória com a cineasta Tuca Siqueira.



 

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