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01/02/2018

Opinião - Análise preliminar da licitação do transporte por ônibus em São Paulo

Francisco Christovam*

Nos últimos dias do ano passado, a Prefeitura de São Paulo, por intermédio da Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes (SMT), colocou à disposição para consulta pública a minuta do edital que trata da “delegação, por concessão, da prestação e exploração do serviço de transporte coletivo público de passageiros, na Cidade de São Paulo”.

Para se ter uma ideia da complexidade desse processo licitatório, a minuta do edital e seus anexos somam mais de 39 mil páginas de documentos. As informações fornecidas contêm as justificativas para a realização do certame, a qualificação e as condições de participação das proponentes, as especificações técnicas de veículos, equipamentos, garagens e outras instalações, a proposta de uma nova rede de transporte e a minuta do contrato para as três modalidades consideradas: sistema estrutural,  sistema de articulação regional e sistema de atendimento local.

É importante lembrar que a última licitação para a contratação do mesmo objeto, ou seja, a prestação e exploração do serviço de transporte coletivo público de passageiros, por ônibus, foi realizada no ano de 2002 e gerou contratos com as empresas concessionárias, para operar o subsistema estrutural, e com as permissionárias, para operar o subsistema local, que foram assinados em 2003.

Essa licitação foi feita com base na proposta de uma rede de transporte projetada e muito teórica que nunca foi totalmente implantada, mas que acabou criando problemas operacionais bastante sérios, tanto para o poder concedente, como para as empresas operadoras. O atual sistema de transporte por ônibus de São Paulo, com uma frota de quase 15 mil ônibus, é operado por 14 empresas concessionárias e por 12 empresas permissionárias. Essa frota circula em mais 1,3 mil linhas e, diariamente, roda aproximadamente 3,5 milhões de quilômetros, transportando cerca de 6 milhões de pessoas, que realizam 10 milhões de viagens.

Nem é preciso dizer que, ao longo de quase 15 anos de vigência dos atuais contratos, a falta de um planejamento estruturado, que determinasse revisões periódicas na maneira como as pessoas se deslocam pela cidade, bem como as demandas específicas e localizadas das comunidades e dos próprios passageiros introduziram mudanças e desequilíbrios que tornaram a atual rede de transporte por ônibus ineficiente e onerosa.

No processo licitatório colocado em consulta pública fica nítida a preocupação do Poder Público com a proposta de uma rede de transporte mais viável, mais racional e mais econômica e que possa ser instalada de forma gradativa e contínua. Mas, é de se esperar que as alterações propostas nas centenas de linhas e de atendimentos que compõem essa nova rede provoquem reações contrárias, principalmente se um determinado bairro deixar de ter uma linha exclusiva ou se os passageiros precisarem realizar mais baldeações, entre a origem e o destino das suas viagens.

Outro aspecto que merece especial atenção diz respeito ao material rodante. As exigências estabelecidas, quanto ao cumprimento da legislação ambiental e quanto à utilização de mais tecnologia embarcada nos veículos, são preocupantes porque determinam a renovação antecipada da frota, ou seja, o descarte de alguns veículos antes do término de sua vida útil.

Para o estrito cumprimento da Lei Municipal Nº 16.802/18, que trata da redução da emissão de poluentes, as tecnologias disponíveis no mercado ainda não foram suficientemente testadas e não há como estabelecer, com a precisão necessária, valores para os investimentos em veículos, equipamentos e instalações, e nem, tampouco, para o custo operacional dos ônibus que deverão utilizar combustíveis mais limpos. Por outro lado, a obrigatoriedade de se contar com ar condicionado em todos os ônibus, já a partir de 2022, impõe a aceleração da renovação da frota. Para o atendimento dessas exigências, as empresas terão que fazer altíssimos investimentos; mas, haverá recursos financeiros do poder concedente para suportar esses custos?

No que diz respeito à remuneração das empresas, os serviços prestados pelas concessionárias deverão ser pagos com base numa fórmula que considera o custo dos insumos, divididos em custos fixos (pessoal e depreciação), custos variáveis (combustível, rodagem, peças e acessórios) e outros custos (despesas administrativas, tributos e lucro). Nada de novidade, exceto que o valor final da remuneração estará limitado a uma demanda de referência e sujeito a deduções decorrentes de fatores de desempenho, que consideram a disponibilidade da frota alocada e o cumprimento das viagens programadas. Entretanto, essas deduções poderão ser compensadas por fatores de qualidade, que dependem de avaliações quanto ao cumprimento das partidas, à redução do número de acidentes com vítimas, ao controle da emissão de poluentes e à aferição da satisfação dos usuários, medida por pesquisas quantitativas, a serem realizadas periodicamente. Em resumo, um método inovador de remuneração que leva em conta a qualidade do serviço prestado; mas que, da forma como proposto, depende de avaliações um tanto quanto subjetivas.

Ainda no campo das novidades, na minuta do edital há exigências explícitas quanto ao desenvolvimento e criação de um programa de conformidade (compliance), incluindo a aplicação efetiva de código de ética e de conduta, para identificar e corrigir todo e qualquer ato ilícito praticado contra a Administração Pública. Essa obrigação, bem recebida pelas atuais empresas operadoras, vem ao encontro de todo um esforço que já vem sendo praticado, no sentido de aprimorar a gestão das empresas e aplicar as práticas da governança corporativa.

Mas, as milhares de páginas de exigências e obrigações impostas às empresas interessadas em participar da licitação, quer nos parecer, não estimularam a administração pública a assumir, minimamente, um compromisso maior com a prestação de um serviço de melhor qualidade. As futuras concessionárias não poderão prestar um serviço que atenda às exigências e expectativas dos clientes sem o envolvimento do poder público naquilo que é a sua função precípua, ou seja, priorizar o transporte coletivo sobre o individual, com a implantação de mais corredores, faixas exclusivas e gestão das vias por onde circulam os coletivos, dar preferência semafórica aos ônibus nos cruzamentos mais movimentados, criar campanhas para incentivar o uso do transporte coletivo e valorizar os serviços prestados pelas empresas operadoras.


* Presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo (SPUrbanuss) e vice-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (Fetpesp)

 

 

 

 

 

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