Cresce Brasil

Sem estímulo à agricultura

Soraya Misleh

 

O setor que mais contribui para o saldo positivo da balança comercial brasileira não foi devidamente contemplado pelo Governo em seu PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Na concepção de Paulo César de Camargo, coordenador da Ripa-Sul (Rede de Inovação e Prospecção Tecnológica para o Agronegócio), manteve-se a deficiência proveniente da política industrial estabelecida em 2003, em que o tema foi tratado apenas marginalmente.

Os números refletem a importância do agronegócio brasileiro. Estimativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento dá conta de que é responsável por 33% do PIB (Produto Interno Bruto) e 37% dos empregos brasileiros. Em janeiro de 2007, segundo publicado pelo Instituto de Economia Agrícola de São Paulo, suas exportações cresceram 29,8% em relação a igual período de 2006, atingindo US$ 4,01 bilhões (36,6% do total). Já as importações somaram US$ 1,22 bilhão (14,4% do total). O superávit do setor foi de US$ 2,79 bilhões, 24% superior a janeiro do ano passado. Manter esse bom resultado depende de uma série de iniciativas. “Apesar de – ou talvez devido a – esse excelente desempenho, o agronegócio vem sendo vítima de crises cíclicas que demandam injeções de novos recursos e renegociação das dívidas em vencimento; ou seja, configura-se o caso de um setor sem sustentabilidade econômica. Portanto, deve haver algum tipo de compensação pelos benefícios transferidos à sociedade. Caso contrário, o segmento fatalmente tenderá à estagnação ou regressão.” A análise consta do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, lançado pela Federação Nacional dos Engenheiros. O documento reúne as contribuições da categoria a uma plataforma nacional de desenvolvimento com inclusão social. Sugere, entre as ações prioritárias ao setor, fortalecer os investimentos em ciência e tecnologia agropecuária, educação e saúde rural. Isso é crucial, na visão do professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Antônio Márcio Buainain. E o PAC – anunciado em 22 de janeiro, prevendo investimentos em infra-estrutura da ordem de R$ 503,9 bilhões e reunindo cinco projetos de lei e sete medidas provisórias, uma delas aprovada no Congresso Nacional – não atentou para isso, observa.

Premência do setor apontada pelo “Cresce Brasil” – e igualmente ignorada no PAC – é o estabelecimento de um “programa sanitário e de qualidade de produtos que assegure tanto o acesso ao mercado externo como a saúde e bem-estar da população brasileira. Com a mesma urgência, é necessário implantar programa eficaz para a área ambiental”. Buainain denúncia que a defesa fitossanitária e animal inexiste no País e essa é uma questão gravíssima. Além do risco importante, pode comprometer a competitividade do segmento. De acordo com sua avaliação, não necessariamente deveria estar no PAC, mas em programas setoriais. Outro ponto nevrálgico que precisaria ser atacado, na ótica do professor da Unicamp, é a questão das relações de trabalho no campo, acesso sustentável à terra e viabilização da agricultura familiar. A exclusão do pequeno produtor é preocupação da categoria, conforme indicado no “Cresce Brasil”.

 

Finanças e logística
Os engenheiros propõem ainda um mecanismo sustentável de seguro rural que vá ao encontro dos incentivos que a sociedade queira dar, também não abrangido pelo programa do Governo. A garantir a renda do produtor numa eventualidade, a medida integra o rol de ações estruturantes que seriam necessárias ao setor, na opinião de Márcio Lopes de Freitas, presidente da OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras). Nessa lista, ele inclui, entre outras demandas do segmento, a desoneração tributária de produtos e insumos utilizados na agricultura e pecuária. É o que visam as 45 emendas apresentadas pelos parlamentares que integram a base ruralista no Congresso Nacional a uma das medidas provisórias do PAC, a de número 351. Tais buscam, segundo o presidente da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, Marcos Montes, em especial, reduzir as taxas de juros cobradas nos principais programas do governo para o setor. “Na prática, o mix de juros deve estar ao redor de 15% ao ano. Estamos numa força-tarefa para convencer o Governo de que é preciso rever isso. Essa ação tem que acontecer antes do lançamento do próximo plano safra”, enfatiza o deputado.

O “Cresce Brasil” aponta soluções ao segmento para suplantar a instabilidade de recursos, como a suplementação mediante crédito do setor público e a criação de um sistema de poupança para canalização financeira de forma nivelada. Além disso, reconhece um dos principais gargalos do agronegócio – a logística – e, portanto, a urgência em se avançar na recuperação e ampliação de sua infra-estrutura. Ao lado de propostas relativas à bioenergia, esse é o ponto em que o PAC alcança as demandas do setor, mesmo que – conforme afirma Nelson Costa, superintendente adjunto da Ocepar (Organização das Cooperativas do Paraná) – não totalmente e indiretamente, ao destinar R$ 58,3 bilhões à melhoria das rodovias, portos e ferrovias. A preocupação, revela ele, é com o prazo de implantação do programa. “É preciso que se inicie rapidamente. A safra agrícola está com sério problema para escoar sua produção.” Neste ano, em que essa totalizou, como informa Freitas, 127 milhões de toneladas de grãos, a dificuldade não deve ser resolvida, o que “começará a ocorrer a partir da efetiva aplicação dos investimentos nessa área”. O que se torna imprescindível, tendo em vista o potencial de expansão no País. Segundo o presidente da OCB, estudo do Governo aponta que seria possível produzir 150 milhões de toneladas nos próximos dez anos.

 

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