Privatização

PPP da Linha 4 do Metrô se mostra desastrosa

Soraya Misleh

 

O acidente ocorrido em 12 de janeiro último no local onde estava sendo construída a Estação Pinheiros do Metrô revelou uma ferida aberta nas PPPs (Parcerias Público-Privadas): a minimização do poder do Estado em intervir nas decisões sob essa forma de contratação. O caso é emblemático, como aponta o deputado estadual Simão Pedro (PT-SP), para quem a autonomia do Metrô sobre a construção foi retirada e sua capacidade de fiscalização fragilizada por um “contrato descabido”. Relativa à operação pela iniciativa privada por 30 anos da Linha 4 – que se estenderá da Luz até Vila Sônia e está orçada em US$ 1,26 bilhão –, a PPP foi assinada em caráter pioneiro no País em novembro de 2006.
Na licitação, saiu vencedor o Consórcio Metroquatro, liderado pela CCR Concessões Rodoviárias, associado a empresas estrangeiras e ao fundo de participações Montgomery. Do capital da CCR participam algumas empreiteiras encarregadas da construção da linha – que integram o Consórcio Via Amarela, contratado para tanto e constituído por cinco das maiores delas, associadas a dois grupos internacionais (Alstom e Siemens). Como a Lei 11.079/04, que instituiu as PPPs, determina, em seu artigo 9º, que o parceiro privado seja o gestor de todo o projeto, a economista Ceci Juruá, consultora do projeto Outro Brasil no Laboratório de Políticas Públicas da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), considera possível supor que a supervisão das obras na Linha 4 tenha sido transferida ao Metroquatro após a licitação de novembro. Nesse caso, execução e fiscalização estariam a cargo do mesmo grupo.

Sem controle estatal
A limitação da interferência do Estado no gerenciamento da obra seria resultado do chamado contrato turn key, em que é definida a empreitada em pacote fechado, sem possibilidade de aditivos, inclusive no preço. Diferente de tudo o que foi feito em outras linhas do Metrô até hoje, em que havia fiscalização de fato e não apenas visual – como, aliás, admitiram técnicos da companhia em audiências na Assembléia Legislativa realizadas no dia 7 de fevereiro. É porém semelhante aos contratos adotados no Brasil do século XIX, por imposição estrangeira, ensina Juruá. Ela recorre à história para apontar a lógica por trás desse tipo de modelagem, que à época se mostrou perversa, com elevação do custo dos serviços feitos no Brasil, e “inaugurou a dominação do império britânico sobre a economia brasileira”. A consultora do projeto Outro Brasil questiona: “Até que ponto estamos revivendo aquele momento, agora com o grande império estadunidense?”
Segundo a secretária executiva da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, Fabrina Furtado, informações dão conta de que seria exigência do Banco Mundial – financiador de parte da obra, em US$ 209 milhões, mesmo valor destinado pelo banco japonês – que não houvesse fiscalização pelo poder público. Além disso, que teria sido construída por essa instituição, em conjunto com o consórcio, a idéia posta em prática de se promover mudanças no método construtivo para baratear e agilizar a obra – o prazo era preocupação do Governo do Estado, que tem por tradição entregar empreendimentos de porte, como expansões e ampliações do Metrô, em datas próximas a eleições. Coincidentemente, observa Simão Pedro, com a Linha 4 não seria diferente: o cronograma aponta que a primeira fase – englobando as estações Butantã, Pinheiros, Faria Lima, Paulista, República e Luz, além do pátio de manobras da Vila Sônia – entraria em operação em 2008, ano de renovação municipal.
A assessoria de imprensa do Banco Mundial nega que faça exigências em seus financiamentos. Todavia, nesse caso, o Metrô admite, em documento publicado no seu site, ao menos uma delas: a de participação da iniciativa privada. “Todos os projetos financiados pelas instituições multilaterais têm condicionalidades, a maioria já internalizada pelo Governo. A PPP é uma delas”, denuncia Furtado. Eventuais vantagens desse modelo são questionadas, uma vez que, como destaca Simão Pedro, o Estado entrou com aproximadamente 75% do recurso para a construção da Linha 4 e a iniciativa privada com apenas 25%, para uma “concessão sem riscos”.
O Ministério Público Estadual está apurando o ocorrido. Para o deputado petista, o contrato precisa ser revisto. Juntamente com outros parlamentares, ele promete ingressar com requerimento no Supremo Tribunal Federal, ainda nessa legislatura, para implantação imediata de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) com o objetivo de investigar o caso. Procurados, o Metrô e a Secretaria dos Transportes Metropolitanos de São Paulo não atenderam a reportagem do JE.

 

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