Engenharia

País carece de bons projetos

 

Prática que tem se tornado corriqueira em especial no Estado de São Paulo, a contratação de projetos por pregão (leilão reverso, em que vence quem apresentar o menor preço) desvaloriza a área e é ilegal. A afirmação é do presidente do Sinaenco-SP (Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva de São Paulo), João Antonio del Nero.

Segundo ele, a Lei de Licitações (nº 8.666) recomenda que em projetos de maior dificuldade e investimentos a concorrência para contratação privilegie a melhor técnica. Seriam enquadrados entre os chamados “serviços especiais”. Com base nessa norma, observa, “editais bem-elaborados, aprovados pelos Tribunais de Contas do Estado e da União, procuram eliminar os preços que estão muito acima ou muito abaixo do que se julga justo”.

Contrariando a norma federal, contudo, o Estado tem contratado projetos de engenharia e arquitetura por pregão, fundamentando-se em decreto que, conforme conta del Nero, institui seu uso no âmbito do Governo de São Paulo para compras de “bens e serviços comuns” – a exemplo do que prevê a Lei Federal 10.520/02. O presidente do Sinaenco-SP questiona: “Como pode um projeto que envolve estudos especializados, cálculos e especificações ser enquadrado como serviço comum? É desconhecer a responsabilidade envolvida e os riscos de um mau projeto.”

Na ótica de del Nero, a engenharia brasileira está há algum tempo ameaçada por uma visão errada de alguns governantes e, em especial, a área que representa “o elo inicial da cadeia produtiva de qualquer investimento”. De acordo com ele, uma entidade que entra com preço 40% abaixo do cobrado para ganhar a concorrência não está apenas praticando uma ilegalidade, mas também estimulando a queda na qualidade dos investimentos em engenharia. No geral, projetos representam de 3% a 5% no orçamento, continua del Nero. Quando mal-feitos, afirma, pode se economizar de 1% a 2% na sua elaboração, porém onera-se em 20% a 30% a outra ponta da cadeia produtiva, gerando, portanto, custos adicionais ao empreendimento.

 

Perda tecnológica
Além disso, o presidente do Sinaenco-SP lembra que é nessa fase inicial que se incorporam novas tecnologias e há risco de perda também aí. Uma das conseqüências apontadas por del Nero é que isso pode ampliar a dependência externa do País, por má utilização de um setor nacional amplamente desenvolvido, que reúne inclusive excelentes escolas. “Na história do Brasil, os projetos de engenharia foram responsáveis por 70% do capital fixo nacional. Da construção de estradas ao setor energético, tudo é possível de ser projetado e construído aqui. Em alguns setores, inclusive, somos referência mundial.” E desde a década de 80, enfatiza ele, há uma desvalorização geral, porque os investimentos passaram a ser pequenos. Del Nero ressalta que o governo federal destinou, no último ano, menos de 1% do PIB para infra-estrutura, “quando deveria aplicar no mínimo 7% ou 8%”.

Na sua visão, a geração de trabalho e emprego também fica prejudicada. “Se o preço é ‘x’ e vai se contratar por menos, se empenhará metade da mão-de-obra.” E quem consegue atuar nesses projetos muitas vezes não é remunerado adequadamente – composição que permite que se apresente custo bem menor, indica o especialista. “Os salários pagos são inferiores ao piso profissional, ou então há sonegação”, avalia. Na sua concepção, o Crea (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia) deveria se manifestar a respeito.

Mas se, no conjunto, só há perdas ao País e à engenharia, por que o Poder Executivo continua a efetuar tais contratações por pregão? “Assim o fazem não por desconhecer a importância de um bom projeto, mas sim por pressões para resolverem rapidamente a concorrência por prazos políticos e por medo de tribunais de contas”, sugere. E acrescenta: “É um hábito deixar para o último ano de governo os investimentos. É nesse período que a administração acorda que faltam projetos e sobram recursos. Daí, tem início nova gestão e ciclo maligno à sociedade e ao desenvolvimento do País.” Para mudar isso, “deve haver pressão cada vez maior da sociedade civil que, com imposto, sustenta esse grande desperdício”.

 

Texto anterior

Próximo texto

JE 283