Energia

Privatização da Cteep: com a palavra, a Aneel

Rita Casaro

 

Após se manter em silêncio durante todo o período que antecedeu o leilão de venda da Cteep (Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista), realizado em 28 de junho, quando a empresa foi arrematada pela ISA (Interconexión Elétrica S.A.) – de capital majoritariamente estatal colombiano – por R$ 1,19 bilhão, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) terá de se manifestar a respeito das dúvidas que restaram sobre o processo.

Cabe à agência dar sua anuência ou não à transferência da concessão ao novo controlador ou ainda exigir alterações no contrato, caso sejam necessárias. Para tanto, terá que se debruçar, entre outros, sobre o nó gerado ainda antes da privatização e que diz respeito ao pagamento dos aposentados da Cesp beneficiados pela Lei 4.819, de 1958, que lhes garantia aposentadoria com salário integral, com complementação a cargo da fazenda estadual. Em 1999, quando foi constituída a Cteep, essa ficou com a incumbência de repassar a verba que o Estado destinava ao pagamento desses aposentados e pensionistas, muito embora a grande maioria deles nunca tenha atuado na área de transmissão. Em 2004, o Estado de São Paulo decidiu fazer o pagamento diretamente, limitando o valor dos benefícios ao chamado “teto constitucional”, equivalente ao salário do Governador. A medida levou os aposentados a recorrerem à Justiça do Trabalho, conseguindo a condenação solidária de Cesp, Cteep, Fundação Cesp e Fazenda do Estado. Pela liminar concedida em 12 de julho de 2005, depois confirmada em sentença de primeira instância em 27 de abril último, os benefícios voltaram a ser pagos como anteriormente. A partir daí, como o Estado não cumpriu a decisão, restou à Cteep arcar com as diferenças que hoje somam R$ 138 milhões anuais.

Tal sentença foi revertida em 16 de junho por acórdão do Superior Tribunal de Justiça, desobrigando a Cteep dos pagamentos, para ser reafirmada no dia 29 do mesmo mês pelo Supremo Tribunal Federal. De toda forma, era válida quando da publicação do edital de venda da transmissora, em 25 de maio. “Curiosamente, a Cteep não esclareceu como o seu acionista controlador, o Governo do Estado de São Paulo, reembolsará a companhia de todos os valores por ela despendidos no período em que a sentença proferida pela 49ª Vara do Trabalho produziu eficácia e não efetuou qualquer aditamento ao Edital SF 001/2006 (referente ao leilão de 28/6)”, afirmava o mandado de segurança impetrado pelo SEESP na 14ª Vara Federal, em 26 de junho último. “O mais impressionante é que no Capítulo 3 do Edital nº SF/001/2006 que trata da alienação de ações do capital social da Cteep, fica claro que o Governo de São Paulo pretende que o novo controlador assuma o compromisso de manter tal procedimento ilegal, em prejuízo da concessão de serviços públicos e dos acionistas minoritários, oferecendo para isso um desconto no preço de venda das suas ações”, continuava a petição.

 

Omissão
Na ocasião, a entidade, que já havia exposto os mesmos problemas em ofício enviado à agência reguladora em 19 de junho, pleiteava à Justiça que determinasse ao superintendente de Fiscalização Econômica e Financeira da Aneel, Romeu Donizete Rufino, que se manifestasse antes da realização do leilão quanto à não-existência de ilegalidades no edital, tendo em vista o imbróglio relativo à Lei 4.819, ou que a agência reguladora solicitasse adiamento da venda para apurar a denúncia e tomar as medidas cabíveis e ainda que determinasse alteração no edital, caso identificasse obrigações indevidas impostas ao novo controlador.

Em despacho, o juiz Jamil Rosa de Jesus Oliveira determinou que a Aneel respondesse aos questionamentos do SEESP. “Em 6 de julho, chegou à 14ª Vara manifestação da agência, em que essa diz não ter obrigação de se manifestar sobre a privatização e foge à questão colocada”, informou a advogada Flávia Lefèvre. “Ficou caracterizada a omissão da Aneel quanto a um assunto que é de sua responsabilidade legal: a fiscalização da concessão do serviço público”, avalia.

A inércia da Aneel em relação as suas obrigações, previstas na Lei 9.074/95, foi ainda objeto de uma representação do SEESP junto ao TCU (Tribunal de Contas da União), em 4 de julho. O documento salienta o favorecimento do controlador da Cteep, em detrimento de seus acionistas minoritários, entre eles a Eletrobrás, empresa federal, que detém 35,3% de seu capital social. A situação foi questionada pelo presidente da empresa, Aloísio Marcos Vasconcelos Novais, em carta enviada em 12 de junho ao secretário de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento de São Paulo, Mauro Arce. “É fato que, ao descontar-se do preço o custo referente aos benefícios da Lei nº 4.819/58, reduz-se o valor da companhia e, portanto, o das ações de titularidade dos minoritários, com o conseqüente aviltamento dos investimentos que esses acionistas nela fizeram”, ponderava.

 
Mais sombras que luz 

Na privatização da Cteep, somam-se às dúvidas relativas à transferência do contrato de concessão os problemas relativos à venda em si. A Cteep opera 99 subestações e mais de 18 mil km de circuitos de transmissão, transportando cerca de 136.000GWh de energia. Detém ainda um sistema integrado de coordenação, supervisão e controle do sistema elétrico. Tal patrimônio já foi avaliado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) em R$ 13 bilhões. Posta à venda pelo preço mínimo de R$ 970 milhões, foi arrematada por R$ 1,19 bilhão, mas o comprador leva o montante de R$ 685 milhões que a empresa tem em caixa e pode contar alta lucratividade, tendo em vista o resultado de 2005 que chegou a R$ 468 milhões. Aparentemente um ótimo negócio, impressão reforçada pelo fato de não terem sido suficientemente divulgadas pelo Governo as bases para a avaliação da companhia.

A falta dessa informação, juntamente a indefinição sobre o prazo de concessão à época (agora limitado a 2015), é justamente o que torna inócua a audiência pública realizada em 2005, que deveria prestar todos os esclarecimentos necessários à sociedade. “Isso aconteceu sem que os participantes pudessem ter informações essenciais, não tendo cumprido seu papel de esclarecer os cidadãos”, explica a advogada Flávia Lefèvre.

 

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