Espaço urbano

A dimensão territorial da pobreza

Soraya Misleh

 

“Miséria é miséria em qualquer canto, riquezas são diferentes...”, diz o hit popular. A história, contudo, não é bem assim, ensina o livro “São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades sociais”, publicado pelo CEM (Centro de Estudos da Metrópole).

De acordo com Eduardo Marques, um dos organizadores da obra, a pobreza tem várias faces: indivíduos e famílias igualmente carentes têm condições e características diferentes, dependendo de onde residam. Entender essa realidade, alerta o pesquisador, é fundamental para que governos optem por políticas públicas adequadas à redução da distância entre ricos e pobres na metrópole – cujo fosso aumentou na última década.

Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, Marques falou, em entrevista ao Jornal do Engenheiro, sobre segregação social em São Paulo e indicou maneiras de solucionar o problema.

 

Como se dá a segregação apontada no livro publicado pelo Centro de Estudos da Metrópole?

O argumento central do livro é que existe uma dimensão territorial da pobreza urbana. Se você comparar grupos igualmente pobres, situados em lugares diferentes da cidade, suas condições de futuro são distintas. Os dois exemplos paradigmáticos são Paraisópolis, em que o acesso a serviços e oportunidades é maior (devido a sua localização, junto ao bairro do Morumbi, de classe média alta) e no outro extremo Cidade Tiradentes. Isso tem a ver com isolamento territorial, que impede a socialização, reduzindo as possibilidades de se romper com aquela situação.

 

Qual o panorama na metrópole hoje?

São Paulo tem um padrão de segregação muito forte em seu conjunto. O que se observa em relação ao começo dos anos 80 é, primeiro, uma diversificação muito maior nas situações de pobreza, inclusive sob o ponto de vista do tipo de vulnerabilidade. Como resultado desse processo, temos um tecido periférico muito mais heterogêneo do que era de se imaginar, o que traz um problema grande para as políticas públicas, as quais precisam considerar isso, senão tendem a ser distribuídas indiferenciadamente num espaço que nao é homogêneo. É preciso afinar os instrumentos que o Estado tem para poder direcionar suas políticas de forma mais inteligente.

 

O geoprocessamento pode ajudar nessa análise?

É absolutamente fundamental. Só que é mais do que um desafio técnico, é de construção de uma estrutura estatal de planejamento inteligente. É usar de maneira continuada o recurso.

 

É preciso promover a mistura contra a segregação?

Exatamente isso. Está mais do que provado que aquela estratégia dos anos 50 e 60 de construção daqueles enormes conjuntos habitacionais, todos iguais, traz problemas graves. Ter uma política inversa, em que o poder público construísse habitação em lugares em que produzisse mistura social seria perfeitamente possível em São Paulo, que é uma cidade caracterizada por enormes vazios urbanos. Ou seja, ao invés de mais conjuntos perto da Cidade Tiradentes, construí-los ainda na Zona Leste, mas muito mais próximos e inseridos no tecido urbano. Ao fazer isso e utilizar por exemplo projetos do poder público, como a expansão da Jacu-Pêssego, que vai promover intensa transformação por conta do eixo viário que está sendo aberto, no médio prazo está se diminuindo a distância entre grupos. Uma política de transporte bem construída reduz a segregação sem mexer na distribuição dos grupos sociais no espaço urbano. O bilhete único teve esse efeito em São Paulo. A implantação da interligação do Metrô, dependendo da forma como for feita, reduzirá intensamente a segregação. A produção de uma linha expressa de trem da Cidade Tiradentes até o Centro também teria esse impacto.

 

Trata-se, então, de reverter políticas segregacionistas...

O Estado construiu a segregação através de políticas ativas, localizando pessoas em espaços homogeneamente constituídos. Fez isso de maneira mais perversa ainda quando retirou pessoas que estavam misturadas socialmente e as colocou nesses locais, por exemplo através da remoção de favelas. O Estado pode fazer isso também através da regulação da cidade. E o zoneamento em São Paulo fez isso ao longo de toda a sua história, reservando certa parte da cidade para determinados grupos sociais e deixando parte esmagadora praticamente sem regulamentação. O Plano Diretor feito recentemente resgata parte importante dessas dimensões de combate à desigualdade, apesar de ser muito barroco e detalhista. Isso está associado à regulamentação dos instrumentos no Estatuto da Cidade presentes no plano diretor e ao estabelecimento das Zonas de Especial Interesse Social, cuja lógica de delimitar certos lugares como prioritários para a recuperação urbana ou o adensamento contraria a da segregação.

 

Levar o emprego à Zona Leste seria uma saída?

Isso mesmo. A cidade de São Paulo é marcada por uma concentração do emprego impressionante. Em uma região de grande porte no centro expandido há, a grosso modo, mais de 100 empregos por habitante e em outra, dez. Importante parcela do extremo das zonas Leste, Sul e Norte tem menos de um emprego por habitante. Desconcentrar acho que é a palavra.

 

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