Transporte

Mais econômico e não-poluente, trólebus pode ser reabilitado na Capital

Soraya Misleh

 

Na Região Metropolitana de São Paulo, as perdas que a população suporta devido às deficiências de transporte e congestionamentos de trânsito superam os R$ 20 bilhões por ano. A informação foi dada por Adriano Murgel Branco, diretor da AM Branco Consultores, como pano de fundo ao debate sobre a viabilidade do uso do trólebus para contribuir à solução da crise de mobilidade. O tema foi discutido no dia 30 de março na sede do SEESP, durante seminário realizado por essa entidade, através do seu GTTM (Grupo de Transporte, Trânsito e Mobilidade), com o apoio da Federação Nacional dos Engenheiros. Intitulado “Sistema trólebus no contexto do transporte público urbano”, o evento reuniu aproximadamente 280 participantes.

Para Murgel Branco, o trólebus atende aos requisitos necessários ao “bom transporte urbano”, que são conforto, rapidez, economia e respeito ao meio ambiente. Segundo sua explanação, o primeiro item é garantido pelo ruído menor, que chega a ser a “metade do emitido pelo ônibus a diesel”, e pela quase ausência de trepidação. Além disso, o trólebus é mais rápido, pois permite o dobro da velocidade de aceleração. Também não deixa a desejar quando o assunto é economia: “Algumas experiências feitas na EMTU (Empresa Metropolitana de Transporte Urbano) em linhas que trafegam pelo corredor apontaram que a variação de custo por quilômetro do trólebus em relação ao diesel ficou em 10%, para mais ou para menos. Um dos motivos é que o petróleo subiu muito, com efeito no custo operacional. E em veículos em condições comparáveis, hoje o trólebus ganha em 25% a 30% se se incorporarem os ganhos ambientais.” Isso porque não polui, destacou o consultor. Também não produz calor excessivo, pois funciona com baixa temperatura e o consumo energético é menor.

 

Sem emissões – A questão ambiental foi objeto da palestra do engenheiro Olimpio de Melo Álvares Júnior, da Gerência de Operações, Programas e Regulamentações de Fontes Móveis da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental). Ele enumerou os poluentes mais graves, todos gerados pelo escapamento dos veículos: ozônio e materiais particulados. Esses últimos “são altamente cancerígenos e quando se instalam nos pulmões não saem mais, causando danos irreversíveis ao sistema respiratório”. E constatou: “Graças ao efeito do Proconve (Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores), apesar do crescimento da frota, há tendência de queda nessas concentrações. Mas continuam sendo um problema.” Conseqüentemente, conforme sua apresentação, estudo feito pela Faculdade de Medicina da USP e Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 1998 mostra que o Estado gasta anualmente US$ 500 milhões em função de doenças respiratórias. Na ótica de Álvares, nesse sentido, o trólebus seria um veículo mais eficiente para o transporte coletivo. “Não tem essas emissões.”

Quanto aos custos de implantação e operação, Jaime Waisman, professor-doutor no Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da USP, traçou um comparativo entre tal sistema e outro veículo ou composição similar que trafegue por faixas segregadas e extensão de mais ou menos 10 quilômetros. E mostrou que se equivalem no decorrer dos anos. “O custo do material rodante chega a ser 40% ou 50% a mais no trólebus. É uma desvantagem, exige investimento inicial mais alto. Por outro lado, compensa-se ao longo do tempo, porque esse tem vida útil média de 15 anos, enquanto a do ônibus a diesel é de oito anos.”

A despeito desses benefícios, a participação desse sistema, segundo lembrou o presidente do SEESP e da FNE, Murilo Celso de Campos Pinheiro, é relativamente pequena no transporte da Cidade de São Paulo, embora ainda relevante. “Em sua expansão máxima, teve 315km, dos quais 130km foram desativados”, afirmou Carlos Alberto Tavares Carmona, diretor operacional da SPTrans. Ele garantiu que a Prefeitura tem planos para o sistema trólebus, que hoje transporta cerca de 70 mil passageiros por dia em seus 247 veículos e 12 linhas ativas, a maioria na região leste da Capital. “Nossos projetos caminham no sentido de readequação da frota para operação em corredores e na rótula central.” Além disso, a idéia é discutir, entre outros pontos, a horo-sazonalidade, que eleva o custo da energia no período de pico, justamente quando o consumo é maior, e cujo ônus é repassado para as tarifas.

 

A serviço da exclusão – Para se ter uma idéia de como essa penaliza os sistemas de tração elétrica, Conrado Grava, gerente de operações do Metrô-SP, afirmou que a companhia na qual trabalha pagou no ano passado R$ 88 milhões de energia elétrica, sendo R$ 22 milhões somente devido à horo-sazonalidade. Ainda segundo ele, alguns operadores chegam a pagar 54% a mais em sua conta do que se não estivessem sujeitos a essa diferenciação.

Mas nem sempre foi assim, como contou Grava: “Em 1968, seis anos antes da inauguração do Metrô de São Paulo, foi criada legislação que instituía o desconto de 75% em energia para tração elétrica no País, com o objetivo de incentivar sua utilização. Em 1985, portaria do DNAE (Departamento Nacional de Águas e Energia) eliminava o desconto e criava a tarifa horo-sazonal.” De acordo com o gerente, por pressão da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos), seu texto não teve validade e o desconto foi retirado somente no final de 1987. Em agosto de 2003, a mesma entidade elaborou documento pleiteando sua retomada. Conforme José Carlos Xavier, secretário Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana, o estudo, que mostra como esses custos pesam no setor, foi remetido à CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos) para aprofundamento. Na sua opinião, é crucial que governadores se envolvam nessa discussão para quantificar e qualificar o subsídio que seria dado ao setor para se reduzir a tarifa horo-sazonal. Presente ao evento, o presidente da AES Eletropaulo, Eduardo José Bernini, disse que há alternativas para se trabalhar a questão.

Um dos efeitos dessa diminuição será o barateamento das tarifas públicas, luta da Frente Parlamentar de Transporte Público. Segundo o seu coordenador, deputado federal Jackson Barreto, a batalha fundamenta-se em pesquisa do Ipea que mostra o resultado de o País nunca ter tido política pública voltada ao transporte coletivo. “As cifras são alarmantes: mais de 36 milhões de brasileiros excluídos do transporte público por falta de condições de comprar uma passagem.” Na tentativa de reverter isso, “temos, com muito esforço, conseguido inserir na agenda do Governo a discussão”.

Na Capital paulista, todavia, há outras pendências. “Em 1985, foi assinado convênio entre a SPTrans e a Eletropaulo transferindo a responsabilidade de operação e manutenção da rede a essa última. Hoje, há discussões principalmente a respeito dos custos de manutenção da rede aérea, que é um fator crítico para o funcionamento do sistema e a gente não consegue equacionar devidamente, em função, às vezes, de não-especificações claras nesses acordos ou de mudanças de entendimento, seja por parte da Prefeitura ou da Eletropaulo”, relatou Carmona. Outro problema apontado por ele é que, com a redução da rede, a manutenção ficou muito cara, já que não há escala de produção industrial. Secretário Estadual dos Transportes Metropolitanos de São Paulo, Jurandir Fernando Ribeiro Fernandes enfatizou a necessidade não só de resolver as pendências, mas de seguir adiante. “Não só no Brasil, mas em outros lugares do mundo houve um decréscimo da presença do trólebus. Foi preciso tirá-lo porque estava atrapalhando demais a circulação, mas essa é uma questão cada vez mais resolvida.” Na sua concepção, trata-se de um sistema de média e grande capacidade para uso em corredores. Ele acrescentou: “Há muito se diz que é preciso vencer a poluição visual. Precisamos deixar as redes alimentadoras mais lights e se estiverem segregadas vão causar impacto menor.”

Um exemplo positivo de funcionamento do trólebus é no corredor São Mateus-Jabaquara, conhecido como ABD. Apresentado por Pedro Luiz de Brito Machado, diretor de gestão operacional da EMTU, abrange cinco municípios da Região Metropolitana de São Paulo – Santo André, São Bernardo, Diadema, São Mateus, além da Capital paulista. “Esse tem 33km, sendo apenas 3km compartilhados com o viário local. Transportamos 210 mil passageiros por dia.” Conforme ele, pesquisa da ANTP mostra o alto índice de aprovação: “O corredor tem 84% de ótimo e bom, a mesma ordem de grandeza do Metrô de São Paulo.” Mas ainda há obras a ser feitas: falta eletrificar 11km dos 33km. “Precisamos investir nisso e na repotencialização da rede, o que requer um total de US$ 12 milhões. É obrigação do Estado e tudo indica que vá fazer”, observou Machado. Estão ainda sendo testados na EMTU ônibus elétricos híbridos. Esses foram também o tema de exposição do diretor industrial da Eletra Tecnologia de Tração Elétrica, Antonio Vicente Souza e Silva. Falando sobre novas tecnologias de transporte público eletrificado, Ronaldo da Rocha, diretor do Sindicato da Indústria de Materiais e Equipamentos Ferroviários e Rodoviários, acredita que “nossa carência é tão grande que tudo se aplica. O importante é ter o produto correto para a demanda certa”. Ainda na sua opinião, é preciso ter soluções adaptadas à realidade local.

Para dar continuidade ao debate sobre o sistema, o diretor executivo da ANTP e
coordenador do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade, Nazareno Stanislau Afonso, sugeriu a revitalização da comissão de trólebus pelas entidades. A proposta foi acatada pelo GTTM e integra as conclusões do evento.

 

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