Deúncia

Exigência de licenciamento revela proliferação de áreas contaminadas em São Paulo

Soraya Misleh

 

Em pouco mais de dois anos, cresceu vertiginosamente o número de áreas contaminadas detectadas no Estado de São Paulo. Segundo dados da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), em maio de 2002, eram 255; em outubro de 2003, passaram a 727; e em novembro último, a 1.336, sendo 489 delas na Capital. A expansão considerável deve-se principalmente à descoberta de inúmeros casos deflagrados por postos de combustíveis. Hoje, 69% das áreas contaminadas no Estado são oriundas dessa atividade. De acordo com Fernando Rei, professor de Direito Ambiental do Senac-SP e sócio do escritório Correa, Medaglia, Rei Advogados, a partir de um vazamento e da interferência do poder público, descobriram-se centenas de passivos do gênero e desde 2001 é exigido licenciamento ambiental para o funcionamento dos postos.

A expectativa é que novos casos pipoquem nos próximos anos, nos diversos setores, em função também da obrigatoriedade, a partir de 1999, de renovação da licença ambiental – no mínimo a cada dois anos e no máximo a cada cinco, dependendo da atividade. Conforme Rei, quando a empresa tiver que passar por esse processo, deverá ser feito estudo de passivo e a projeção de equacionamento desse, caso haja, será exigência técnica para a obtenção de nova outorga. A indústria que quiser encerrar suas atividades, lembra Alfredo Carlos Cardoso Rocca, gerente da Divisão de Áreas Contaminadas da Cetesb, também deverá enfrentar essa análise. Outro fator que impulsionará a descoberta de áreas contaminadas no Estado, ressalta ele, é a exigência de avaliação do solo ou águas subterrâneas por parte do empreendedor, antes de adquirir um imóvel onde houve atividade potencialmente poluidora. Contribuiu para isso a divulgação pela mídia de casos emblemáticos, como o do Conjunto Habitacional Barão de Mauá, na cidade de Mauá, construído sobre local onde eram despejados resíduos tóxicos pela Cofap e atualmente em fase de remediação; do Aterro Mantovani, em Santo Antônio da Posse, no qual durante anos várias indústrias depositaram contaminantes, inclusive com autorização oficial, em que há termo de compromisso assinado por algumas delas para resolver o problema; e da Shell Paulínia, que produziu no Brasil, até 1993, POPs (poluentes orgânicos persistentes) e contaminou o lençol freático sob as chácaras localizadas entre a área fabril e o Rio Atibaia.


Ações incipientes – Para atender a essa demanda cada vez maior, a Cetesb estabeleceu uma sistemática de gerenciamento de áreas contaminadas. A metodologia engloba, segundo Rocca, análise e amostragem de solo e águas subterrâneas em áreas suspeitas ou que foram objeto de denúncia. Ainda de acordo com o gerente do órgão, são lugares onde foram desenvolvidas atividades potencialmente poluidoras e pode ter ocorrido vazamento ou manuseio de produtos químicos de tanques, descarte de resíduos, acidentes e infiltração de efluentes líquidos ou produtos químicos no solo. Feita a investigação, “se as concentrações de contaminantes forem superiores aos chamados valores de intervenção, a área é decretada contaminada sob investigação e passará para o bloco das atividades de remediação”. A solução para a localidade é definida “levando-se em conta, primeiro, os riscos à saúde humana e depois os compartimentos ambientais a proteger”. Rocca enumera os procedimentos possíveis, entre os quais descontaminar, isolar ou restringir o uso da área, mediante a utilização de técnicas diversas. Caso o responsável pelo local não tome as medidas cabíveis, pode ser multado, sofrer a interdição de suas atividades ou até processo criminal.

Apesar do avanço no tratamento dessa questão, fato é que o Brasil ainda está na rebarba das nações industrializadas. “São oito a dez anos de diferença no equacionamento do problema”, confirma Rei. Diretor-presidente da ACPO (Associação de Combate aos POPs), Jeffer Castelo Branco vai mais longe: “As ações, a nosso ver, são muito incipientes e vão ao encontro de um sistema econômico muito bem preparado para defender a continuidade da mazela, com efeitos danosos na saúde pública. Os órgãos ambientais estão intimamente atrelados a essa lógica, inclusive têm como concepção que o seu cliente são as empresas e não a sociedade.” Ele continua: “Há deficiência de fiscalização em todos os setores e em alguns casos é inexistente.” Rocca refuta essas críticas e diz que hoje o tema é prioritário dentro da Cetesb. Inclusive assegura que, havendo necessidade, serão contratados mais profissionais para lidar com o assunto – hoje, de acordo com ele, há cerca de 22 técnicos do órgão envolvidos no tema, mais uns 350 ligados às agências ambientais. Porém, o gerente avisa: “Por mais que se aumente esse número, nunca vamos ter a onipresença necessária.” O caminho para equacionar a questão, para ele, é alertar a sociedade para o problema, bem como envolver todos os atores responsáveis, aí incluídas as prefeituras e as diversas secretarias de Estado. A pasta de Agricultura e Abastecimento, por exemplo, “pode desenvolver programas para orientar a aplicação de defensivos agrícolas e fertilizantes”. Com isso, contribuiria para conter a contaminação pelo agronegócio, conforme observa Rei, ainda não sujeito ao licenciamento ambiental no território paulista, mas com grande potencial poluidor.

 
 

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