Opinião

A classe média e os trabalhos de Hércules

Adilson Luiz Gonçalves

 

A saga da classe média brasileira lembra a de Hércules, que cada vez que cumpria, resignado, um dos trabalhos que Euristeu lhe designava, recebia desse um novo, ainda mais difícil. No caso em questão, mal a classe média se recupera de um tranco econômico, os legisladores e governantes inventam um novo, ainda mais terrível, para onerá-la.

Formada, basicamente, por profissionais classificados como liberais (engenheiros, arquitetos, advogados, médicos etc), essa classe foi, progressivamente, perdendo essa autonomia em razão de vários fatores. O principal deles foi a estagnação econômica, que assola o Brasil desde a década de 1980. Muitos deles tiveram que buscar um mínimo de segurança para sustentar suas famílias, ainda que com perda de qualidade de vida, no vínculo empregatício com a iniciativa privada, nas empresas estatais ou no funcionalismo público. A onda de terceirização, seguida pela privatização selvagem, jogou, literalmente, parte significativa desse contingente “remediado” num mercado que surgia como a tendência do futuro: o terceiro setor, ou seja, a prestação de serviços!

Alguns chegaram mesmo a desistir de suas profissões, mas outros insistiram. Voltaram a atuar como prestadores de serviços, na qualidade de autônomos. É importante lembrar que a maioria dos profissionais dessas categorias é obrigada a manter registro em conselhos, ordens ou similares, renovado anualmente, mediante pagamento. Sem o registro, eles não podem atuar. Assim, mesmo sem trabalhar, o profissional é obrigado a pagar para assegurar o direito de exercer sua atividade. Além disso, cobram-se taxas sobre os serviços efetuados, as chamadas ARTs (Anotações de Responsabilidade Técnica).

Quando as coisas pareciam voltar a uma relativa estabilidade, empresas contratantes, por força de medidas governamentais, passaram a exigir que os serviços fossem prestados por pessoas jurídicas. Isso obrigou os profissionais liberais à constituição de empresas. O lucro, que já não era grande coisa, foi significativamente reduzido pelas novas obrigações, tributações e taxas inerentes. Agora, a Medida Provisória 232, editada em dezembro passado, propõe um quase golpe de misericórdia na classe média: sobretaxar o setor de prestação de serviços, onerando, por tabela, todas as outras classes, sobretudo as menos favorecidas.

Lembro que, nos anos 80, o então líder sindical Lula afirmou que sonhava com o dia em que o filho do metalúrgico teria as mesmas perspectivas que o do engenheiro. Se a MP 232 for aprovada – junto com a taxa de inspeção veicular, cursos obrigatórios nas renovações de habilitações e sabe-se lá mais o que sairá da caixinha de maldades tributárias –, talvez isso se concretize. Não pela ascensão de um, mas pelo empobrecimento do outro. Aí, talvez sobre algum, que dê para partilhar um sanduíche de pão amanhecido com mortadela rançosa... Se não sobretaxarem!

 

Adilson Luiz Gonçalves é engenheiro e professor universitário

 

Texto anterior

Próximo texto

JE 249