Mobilidade

Engenheiros discutem uso da hidrovia ao transporte na metrópole

Soraya Misleh

 

A alternativa foi debatida durante seminário promovido pelo GTTM (Grupo de Transporte, Trânsito e Mobilidade) do SEESP, no dia 18 de maio, na sede da entidade. Sob o título “A mobilidade e a integração do sistema de transportes hidroviários no Estado de São Paulo”, o evento reuniu aproximadamente 240 participantes. Na abertura, Murilo Celso de Campos Pinheiro, presidente do SEESP e da Federação Nacional dos Engenheiros, sinalizou: “Nós, engenheiros e técnicos, entendemos que seria possível trazer essa alternativa de transporte à Grande São Paulo e desafogar um pouco o trânsito da Capital, contando com a despoluição do Rio Tietê.”

Principal afluente da cidade, esse conquistou a nada honrosa alcunha de “esgoto a céu aberto”, a qual se justifica pelo seu alto grau de contaminação. Resolver o problema é o desafio do Governo do Estado, que dá continuidade ao Projeto Tietê, programa de saneamento lançado em 1992 pela Sabesp após campanha em prol da despoluição do rio que resultou em mais de 1 milhão de assinaturas. Na visão dos engenheiros que integram o GTTM, desenvolver a hidrovia na Região Metropolitana de São Paulo depende da concretização desse trabalho. Representando o secretário de Estado de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento, Mauro Arce, o seu adjunto Antônio Carlos Rizeque Malufe ressaltou que o projeto avançou.

Na medida em que se viabilizar tal sistema, segundo o deputado estadual João Caramez, poderá se promover uma interligação entre as zonas Sul e Leste de São Paulo e propiciar aos seus cerca de 7 milhões de habitantes economia significativa no tempo de transporte. Um exemplo é o benefício aos moradores de Grajaú, que levam cerca de três horas para chegar ao Centro e com a hidrovia poderiam, conforme Caramez, alcançar esse local em 40 minutos. Andrea Calabi, secretário de Estado da Economia e Planejamento, informou que já houve algumas discussões importantes sobre a travessia Grajaú-Diadema.

Representando o secretário dos Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, o assessor técnico da EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos), Laurindo Junqueira, apresentou o tema “O sistema hidroviário do Alto Tietê e a travessia Grajaú/Diadema” durante o primeiro painel do seminário, que teve como mediador o jornalista Heródoto Barbeiro. O relator foi o diretor do SEESP e coordenador do GTTM, Laerte Conceição Mathias de Oliveira, para quem, com o uso da hidrovia, além de ganho em mobilidade, as principais conquistas serão ambientais e urbanísticas. Em sua exposição, Junqueira afirmou que “medições feitas pela CET indicavam queda na velocidade de circulação na cidade de quase 50%. No município, vem se inviabilizando a logística de transporte. Existem reivindicações várias em regiões hoje ilhadas, de difícil acesso dentro da metrópole. O povo do Grajaú quase se confina.” O secretário de Estado dos Transportes, Dario Rais Lopes, que representou o governador Geraldo Alckmin, ressaltou que nos documentos que balizam as políticas de transporte do Governo de São Paulo todos os modais estão contemplados. “Existe uma conversa entre esses planos em especial nos modos hidroviário e ferroviário, cujo princípio é a conjugação das logísticas. Dentro das áreas metropolitanas, a preferencial é voltada ao transporte de passageiros. Fora, é ao de cargas.”

Para o uso da hidrovia pela população, Caramez acredita ser necessário introduzir tal cultura. “As notícias que temos do transporte hidroviário de passageiros vindas do resto do País não são positivas e isso cria uma expectativa negativa no potencial usuário”, confirmou Rais. Para mudar isso, o Governo está trabalhando na implantação do Projeto Navega São Paulo, cujo objetivo é divulgar a hidrovia metropolitana. Em sua preleção, o consultor Rui Gelehrter da Costa Lopes destacou que a obra de rebaixamento da calha do Tietê hoje permite o seu uso para navegação e já há 41km disponíveis para isso na região.


Ceticismo x vantagens
O secretário municipal do Planejamento de São Paulo, Jorge Wilheim, demonstrou no evento seu ceticismo em relação à utilização do Tietê para o transporte. “Não vi nenhum estudo que comprove ser esse o melhor uso.” Ainda na sua concepção, há dificuldades de topografia e geologia à navegação. E também com relação ao volume do rio, o qual, conforme Wilheim, será ainda menor quando o Projeto Tietê estiver concluído, uma vez que metade de suas águas vem do esgoto.

Também para o professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Poli-USP, Nicolau Gualda, falta um estudo abrangente sobre o assunto. Na sua avaliação, na Região Metropolitana de São Paulo, esse afluente, em sua parte navegável, “liga nada a coisa nenhuma”. “Passei dois, três anos da minha vida estudando a navegação no Tietê-Paraná e até mesmo ao transporte de produtos de baixo valor agregado como calcário esse rio não se prestaria.”

Bonfílio Alves Ferreira, consultor técnico do Instituto de Pesquisas em Ecologia Humana, alertou: “O uso turístico pode ficar comprometido.” Na sua ótica, é fundamental o planejamento participativo para resolver conflitos como esse. Eduardo Mazzolenis de Oliveira, gerente do Departamento de Tecnologia de Águas Superficiais e Efluentes Líquidos da Cetesb, considerou interessante a proposta de implementar o transporte hidroviário, mas observou: “É preciso refletir sobre o regime de operação e gestão para que não haja deseconomias ambientais.”

Em contraposição, o diretor da AM Branco Consultores, Adriano Murgel Branco, salientou algumas vantagens do transporte hidroviário, como os custos muito inferiores em comparação com o modo rodoviário – chegam a 1/3 – e grande economia de combustível. Superintendente do Departamento Hidroviário da Secretaria de Estado dos Transportes, Oswaldo Rosseto acrescentou outros benefícios, entre os quais emissão de poluentes menor, custo de manutenção baixo, elevada vida útil da via, índices de acidentes inexpressivos e investimento público em geral mais baixo. Segundo ele, a hidrovia Tietê-Paraná já está implantada e transportando em alguns trechos, carecendo apenas de pequenas obras. Entre a foz em Salesópolis e Barra Bonita, há 510km navegáveis, e desse ponto a Mogi das Cruzes somam-se 973km potencialmente utilizáveis para esse fim. De acordo com Rosseto, o trecho mais difícil é entre Salto e Edgar de Souza, em que há uma série de acidentes naturais, e, portanto, a implantação da hidrovia no local deve ficar por último, se for levada adiante. Já o metropolitano é “mais amigável do ponto de vista topográfico”.

Pulando o tramo mais complicado, ele admite que “perde-se a idéia de integridade, mas resgata-se o corpo hídrico expressivo escondido na malha metropolitana como via de transporte. Temos uma visão mais focada no de cargas. Acreditamos que por uns bons anos restará a essa hidrovia levar lixo, subprodutos de tratamento de esgoto, material dragado. Nossa percepção deverá ser comprovada pelos estudos técnicos até o final do ano.”

Desafios
Além de despoluir o Rio Tietê, o Governo do Estado tem a tarefa de alavancar recursos às obras de infra-estrutura. Nesse sentido, de acordo com Calabi, os desafios no complexo metropolitano – que inclui São Paulo, Baixada Santista, Campinas e parte do Vale do Paraíba – são enormes. “No âmbito do Plano Plurianual 2004-2007, a previsão de investimentos é de R$ 30 bilhões para esses quatro anos, em projetos de interesse público. Metade é financiada por recursos orçamentários e outra metade em duas partes iguais; R$ 7,5 bilhões são investimentos das companhias estaduais independentes do Tesouro, a exemplo de Sabesp, Metrô e CDHU, e R$ 7,5 bi podem ser mobilizados da iniciativa privada.” Para tanto, o Estado poderá contar com recursos que devem advir da PPP (Parceria Público-Privada), recentemente aprovada na Assembléia Legislativa de São Paulo e sancionada pelo governador Alckmin. O relator do projeto, deputado estadual Giba Marson, salientou, com relação ao transporte hidroviário, que “a PPP pode e deve ser a grande parceira do seu desenvolvimento”.

Para Carlos Alberto Tavares Carmona, assessor do secretário municipal dos Transportes de São Paulo, Jilmar Tatto, e seu representante no evento, é importante discutir tudo o que vier estruturar o transporte coletivo. “A Prefeitura tem interesse de acompanhar e debater todas as etapas desse projeto.” Entretanto, ele fez ressalvas: “Devemos pensar na integração com os outros modais, para que não haja desentendimento. “A proposta é que nas discussões de um eventual corredor hidroviário urbano o planejamento já nasça integrado, não só do ponto de vista físico-operacional, mas também tarifário”, atestou Pedro Machado, assessor técnico da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos). Murgel Branco afirmou que “a questão institucional não está totalmente resolvida, mas há caminhos abertos para isso”. Ele abordou o tema no segundo painel, que teve como mediador o diretor-presidente da Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S/A), Marcos Campagnone, e como relator Edilson Reis, diretor do SEESP e secretário do GTTM.

 

A hidrovia no Brasil e no mundo
Marco Santarelli, presidente da Rodriquez Cantieri Navali do Brasil, fez uma breve apresentação sobre os transportes aquaviários no Brasil e no mundo. Enquanto nos países desenvolvidos os sistemas são avançados, aqui o potencial é subaproveitado, como destacou Francisco Alem, coordenador geral de hidrovias e portos interiores do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes. Segundo ele, dos 40 mil quilômetros de vias navegáveis no Brasil, apenas 5% são utilizados. “Estamos atuando em aproximadamente 12 mil km, na dragagem de manutenção para aumento do calado do rio e implantação do sistema interior.”

Ao transporte de cargas por esse meio, a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) vem, de acordo com o gerente geral de outorgas na Superintendência de Navegação desse órgão, Alberto Dumont Pinto Ferreira, elaborando normas, as quais começaram a ser objeto de consultas públicas. Frederico Bussinger, consultor em logística e transporte do Idelt (Instituto de Desenvolvimento, Logística, Transporte e Meio Ambiente), questionou: “As hidrovias são mais baratas e boa parte dos dados já foi dissecada. Por que o óbvio não acontece?” Para Allen Habert, diretor do SEESP e consultor em desenvolvimento de engenharia e tecnologia, a América do Sul é virgem em engenharia. Para que haja avanços, ele ressaltou a importância de se realizar o sonho da integração no continente.

 

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