APOSENTADORIA 


Reforma da Previdência continua em 1999

Leis complementares e pontos nos quais o governo saiu derrotado na votação da emenda à Constituição estarão em pauta neste ano. Contribuição dos servidores é questionada e idade mínima não deve voltar à discussão tão cedo.


Tendo vencido a grande batalha pela reforma da Previdência Social, o governo tem pendentes para 1999 as leis complementares previstas na Carta Magna e as mudanças que desistiu de fazer durante a votação da Emenda Constitucional
nº 20, promulgada em 15 de dezembro último. O primeiro passo foi dado já em 20 de janeiro, ao aprovar na Câmara dos Deputados a contribuição dos servidores aposentados e o aumento da alíquota para os da ativa. A votação no Senado estava marcada para o dia 26 último, embora a Ordem dos Advogados do Brasil já questionasse a medida, que entraria em conflito com o artigo 194, parágrafo único, inciso IV da Constituição Federal, que trata da irredutibilidade dos benefícios (veja quadro na página ao lado). Entre os temas que podem ser tratados ainda neste ano estão a redução da pensão das viúvas dos servidores públicos com o fim da reversão da parte do dependente, por morte ou maioridade; diminuição do tempo que o desempregado permanece na qualidade de segurado sem contribuição; carência de 12 meses de contribuição para pensão por morte e salário-maternidade; desobrigação de pagar benefícios ao segurado até o 10º dia útil; aumento do período mínimo de contribuição para o requerimento da aposentadoria por idade; elevação da alíquota do pequeno produtor rural.

A não-criação da idade mínima para a aposentadoria do segurado do INSS, principal vitória da oposição — graças ao deputado tucano Antônio Kandir, que errou ao digitar o voto — não deve vir à tona tão cedo, até porque os "prejuízos" para a Previdência não se farão sentir imediatamente. "Com essa situação, o governo criou um castigo curioso: o trabalhador pode optar entre cinco chibatadas, com as regras transitórias, ou nenhuma, com a permanente", avaliou o advogado previdenciarista Wladimir Martinez. "O que acontece então? Se um homem tem 30 anos de serviço e começou a trabalhar aos 14 de idade, ele tem hoje 44 anos. Não tem direito à proporcional porque não tem 53 anos. Então, ele vai optar pela regra permanente, trabalhar mais cinco anos e pedir a integral. Mas, de qualquer forma, para a Previdência, isso já representa uma folga. O governo deve tentar recuperar a idade mínima para mudar essa situação, mas o Ministro (Waldeck Ornélas, da Previdência) já deu uma declaração afirmando que não deve cuidar disso neste ano." Na opinião de Martinez, não houve reforma da Previdência Social, mas da aposentadoria por tempo de serviço (veja quadro abaixo com as principais mudanças). "O governo se concentrou nesse benefício, que é o mais caro, o mais solicitado e o cientificamente mais impróprio, porque não tem nenhum sentido uma mulher se aposentar aos 37 anos ou um homem aos 40."

Ele também defendeu as novas exigências para o servidor público, que além de obedecer às mesmas regras que os trabalhadores da iniciativa privada e atender a idade mínima, que para esses ficou valendo, deverá estar há pelo menos dez anos no Estado e há cinco no mesmo cargo. "Isso é importante porque impede que alguém que passou 32 anos pagando a previdência pelo salário mínimo preste um concurso para juiz e, após três anos, se aposente ganhando R$ 6 mil. Isso é uma maluquice do ponto de vista atuarial", salientou. Além disso, o advogado acredita que os cinco anos no cargo seguem a mesma lógica. "O servidor é porteiro da repartição, tendo contribuído sobre cerca de R$ 300, então faz concurso para procurador ou delegado e se aposenta nesse cargo."

 

Novo modelo

Tais mudanças, segundo Martinez, eram inevitáveis e obedeceram a pressupostos históricos, fundamentais e conjunturais. Esses são, basicamente, a redução da natalidade e a maior expectativa de vida do brasileiro, além da recessão dos últimos anos que aumentou o déficit na oferta de empregos. "Não há mais jovens entrando no mercado de trabalho para contribuir e garantir a aposentadoria do velhinho. O modelo se esgotou e agora as pessoas vão se aposentar com o que colocarem lá; é o chamado regime de capitalização, enquanto o outro era de repartição. Essa é uma Previdência mais contributiva que a anterior, que era mais solidária, mais social." Embora seja favorável ao aperto nas torneiras da Previdência Social, ele defende que permaneça estatal, pública e básica. "Se a iniciativa privada tem técnicas melhores para administrar esses recursos, então o Estado pode adotá-las no interesse do contribuinte." Para o advogado, as alternativas privadas, como os fundos de pensão e capitalização, geram uma dependência da economia e, portanto, riscos muito maiores. "Com essa crise dos últimos dias, os fundos de pensão brasileiros perderam muito dinheiro", advertiu.

Com uma linha de pensamento diametralmente oposta, o consultor e especialista em Previdência, Anníbal Fernandes, converge nesse ponto específico com Martinez. "A Bolsa é uma entidade central nessa questão. Na crise dos Tigres Asiáticos, os fundos de pensão chilenos sentiram o efeito de imediato", afirmou. Menos otimista que seu colega, Fernandes acredita que nessa direção caminha a previdência do trabalhador brasileiro. "É importante notar que a reforma ainda está em andamento. O que o governo tem feito é um jogo de forças para arrecadar mais e pagar menos. É um sistema puramente monetarista, em uma situação social caótica. É claro que vai diminuir a clientela da Previdência com a idade mínima e a supressão pura e simples de alguns benefícios, como o auxílio-funeral, que felizmente para o engenheiro ainda não faz falta, mas como as coisas vão, logo fará. Contudo, atrás disso, está também uma postura de liquidar a previdência oficial e criar uma amplamente contributiva e particular. O que eles querem é privatizar tudo e entregar a seguradoras e bancos o dinheiro que hoje é público e social", alertou.

Segundo Fernandes, nessa lógica, entraria o sistema de capitalização. "Cada trabalhador tem uma conta em um Fundo de Pensão e contribui ao longo da vida. Então, verifica-se o montante; se tiver o suficiente para ir a uma seguradora e comprar uma renda por alguns anos ou até a morte, tudo bem; se não, recebe de volta o dinheiro e vai se habilitar na fila do subsídio, que é algo como 70% do salário mínimo local." De acordo com o consultor, hoje 50% dos trabalhadores chilenos estão nos fundos de pensão. "Ou seja, metade tem a possibilidade de chegar a se aposentar e a outra já sabe que na velhice vai entrar na fila da renda mensal vitalícia." Apesar de combater a idéia energicamente, Fernandes garante não ser contrário aos fundos de pensão, "mas é preciso estabelecer um equilíbrio, em que haja dinheiro para a previdência oficial e para eles".

O consultor também questionou a reforma na sua justificativa. "A história desse déficit é balela. Eu já o ouvi mentido e desmentido várias vezes. Na crise dos 147%, durante o governo Collor, dizia-se que não havia dinheiro para pagar a diferença devida aos segurados. Só que no Ministério havia uma contabilidade do dia que dizia: ‘ontem nós tínhamos tanto, gastamos tanto, aplicamos tanto’, o que demonstrava que havia uma pequena fábula à disposição. A Zélia (ex-ministra Zélia Cardoso de Mello) acabou confessando no Congresso que o FMI exigia um X de reservas. E foram buscá-las no superávit da Previdência. E isso não é segredo nenhum... Essa é a maior arrecadação da República, via folha de pagamento." Fernandes ressaltou ainda a importância de se discutir o direito adquirido. "Quem já está trabalhando tem de aceitar as regras novas? Eu entendo que não. O correto é que todos que já estão contribuindo tenham direito ao benefício pela lei anterior e as limitações fiquem para quem entrar no INSS posteriormente."

Medida inconstitucional?

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) questionou a constitucionalidade da cobrança da contribuição do servidor aposentado, alegando o princípio da irredutibilidade do benefício previsto no artigo 194, parágrafo único, inciso IV da Carta Magna. Para o advogado Wladimir Martinez, além desse "conflito com a Constituição", há outros problemas na alteração. O primeiro seria a sua "impropriedade científica", já que a pessoa contribui para depois receber o benefício, não haveria, então, sentido em pagar após a aposentadoria. Além disso, não foram feitos cálculos atuariais para definir as alíquotas, que não atendem a uma programação. Ainda segundo ele, esses mesmos percentuais de desconto são exagerados, ferindo o princípio da capacidade contributiva.

A contribuição dos servidores aprovada pela Câmara

Aposentados:

até R$ 600 – isentos
acima de R$ 600 até R$1.200 – 11%
acima de R$ 1.200 até R$ 2.500 – 20%
acima de R$ 2.500 – 25%

Na ativa:

até R$ 1.200 – 11%
acima de R$ 1.200 até R$ 2.500 – 20%
acima de R$ 2.500 – 25%

As alíquotas diferenciadas valem até 31/12/2002. A partir daí, serão unificadas em 11%.

 

 

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